Bloqueio de Gaza: uma viúva palestina, seus filhos e um armário quase vazio
Ibtisam Ghalia e seus quatro filhos são apenas uma das famílias vivendo à beira da fome, sem sinal de fim para o bloqueio

Ibtisam com seus filhos: Hossam, 10 anos, Jinan, 9, Layan, 8, e Mahmoud, 4. Ela diz que agora comem apenas uma ou duas vezes por dia. (Foto: Enas Tantesh/The Guardian)
Por Jason Burke, de Jerusalém, e Malak A Tantesh, de Gaza*
Todos os dias, Ibtisam Ghalia e seus quatro filhos contam seus estoques restantes de comida. Eles são escassos: cerca de um quilo de feijão, um saco de lentilhas, um pouco de sal, algumas ervas e especiarias, e farinha suficiente para fazer meia dúzia de pães achatados, cozidos em uma chapa sobre uma fogueira feita com lascas de madeira, plástico descartado e papelão.
Nos dois meses desde que Israel impôs um bloqueio total à Faixa de Gaza, impedindo a entrada de alimentos, remédios, combustível e qualquer outro item no território devastado, a “despensa” de Ghalia foi diminuindo lentamente.
Houve dias melhores, em que Ghalia recebeu uma doação em dinheiro de uma ONG e conseguiu comprar legumes ou frutas frescas no mercado, ou recebeu um quilo de farinha de um parente ou amigo.
Mas os preços aumentaram constantemente à medida que o bloqueio prosseguia e os alimentos básicos se tornavam mais escassos. O açúcar, que antes custava um dólar por quilo, agora custa 20 vezes mais. Um saco de farinha velha e de má qualidade custa muito mais do que Ghalia pode pagar. As padarias operadas pelo Programa Mundial de Alimentos fecharam há semanas, sem farinha ou combustível. As cozinhas que distribuem quase um milhão de refeições por dia em Gaza têm estoques limitados. Os armazéns da ONU estão vazios. A família não consome carne nem laticínios há meses.
“Estamos tentando, ao máximo, racionar a comida desde que as passagens foram fechadas… Agora comemos apenas uma ou duas refeições por dia. Eu divido o pão entre meus filhos só para aliviar a fome deles. Tento comer menos para que sobre mais para eles”, disse Ghalia.
Todos os dias, desde que o cessar-fogo colapsou definitivamente seis semanas atrás, o som de ataques aéreos e bombardeios é claramente audível no pequeno acampamento de tendas em uma área rural perto da devastada cidade de Beit Lahia, onde Ghalia e sua família montaram sua barraca.
Isso a apavora. Em dezembro de 2023, seu marido, Hamza, foi morto em um ataque de drone israelense, junto com um tio e um primo, enquanto procuravam comida nas ruínas da antiga casa da família.
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“Eu não gritei nem desabei quando os encontrei. Agradeci a Deus por ter conseguido encontrá-los e enterrá-los. O hospital se recusou a recebê-los ou a prepará-los para o enterro, dizendo que já estavam em decomposição e que não havia mortalhas. Então os enrolamos em cobertores e os enterramos nós mesmos”, lembrou Ghalia, de 32 anos.
“Meus filhos choraram todos os dias, pedindo para ver o pai. Os dois mais velhos [agora com 10 e 9 anos] choravam constantemente, querendo vê-lo novamente. Eu ficava consolando-os, dizendo que vamos nos reencontrar com ele no céu.”
Na semana passada, a irmã de Ghalia foi atingida na perna por uma bala perdida enquanto cozinhava ao lado da barraca.
Todos os dias, seu filho mais velho, Hossam, de 10 anos, sai para procurar lenha nos arredores devastados. Não há outro combustível: não há gás de cozinha disponível, e os estoques de benzina estão tão baixos que dois terços da frota remanescente e danificada de ambulâncias em Gaza estão imobilizados, e apenas um terço dos geradores no território ainda funciona.
“Se ele demora só um pouco para voltar, eu entro em pânico. Não posso perder um filho além do meu marido. Mas temos que cozinhar de alguma forma, então tenho que mandá-lo. Ele só tem 10 anos, mas é como um adulto agora, com todos esses deveres e preocupações.”
Sua filha Jinan, de 9 anos, tem pesadelos recorrentes com explosões e corpos despedaçados.
“Sinto tanta falta da minha vida antiga. Sinto falta do meu pai – da voz e do cheiro dele. Ele costumava nos levar para comer kebab nos fins de semana. Agora, não há nada para comprar nos mercados. A água conseguimos na escola próxima ou de caminhões-pipa que vêm ao acampamento. Meu irmão mais velho e eu carregamos a água até nossa barraca”, contou ela.
“Sinto muita falta da escola. Minha mãe me disse que quando eu crescer vou ser professora, porque amo aprender, e espero conseguir isso… Agora meu único medo é perder um dos meus irmãos. Tenho pesadelos em que vejo pessoas sendo mortas, e muito sangue.”
Cerca de 10.000 casos de desnutrição aguda entre crianças foram identificados em toda Gaza, incluindo 1.600 casos de desnutrição aguda severa, desde o início de 2025, segundo relatório da ONU da semana passada.
Amjad Shawa, diretor da Rede de ONGs Palestinas em Gaza, afirmou que o sistema humanitário no território está colapsando.
“Temos apenas alguns dias de suprimentos restantes. Cada dia é pior que o anterior”, disse Shawa.
Autoridades israelenses justificam o bloqueio a Gaza com a alegação de que o Hamas rotineiramente rouba ajuda, distribuindo-a a seus combatentes ou vendendo-a para arrecadar fundos vitais. Funcionários humanitários em Gaza negam qualquer roubo generalizado de ajuda nos últimos meses, embora digam que os saques estão aumentando desde que as hostilidades recomeçaram “devido à desesperadora situação humanitária”.
Segundo o Ministério da Saúde em Gaza, entre 22 e 30 de abril, 437 palestinos foram mortos e 1.023 ficaram feridos. Ao todo, 52.400 palestinos, a maioria civis, foram mortos na guerra, incluindo mais de 2.300 desde que Israel retomou sua ofensiva em meados de março, após recuar da promessa de passar para a segunda fase do frágil cessar-fogo que entrou em vigor em janeiro.
“Só queremos viver em segurança. Queremos que o medo acabe, que a guerra termine, que a vida volte a ser como era. Queremos nossas casas de volta”, disse Ghalia, e então voltou a contar seus suprimentos cada vez menores. Na sexta-feira, a farinha acabará, restando apenas os feijões e o pacote de lentilhas.
* Reportagem publicada no The Guardian em 02/05/2025.
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