Caiado e Tarcísio em Israel: uma viagem muito estranha e sem respostas.

Em março de 2024, os governadores dos Estados de São Paulo e Goiás realizaram viagem a Israel, em meio ao genocídio em Gaza.

11/04/2024

Uma viagem estranha, que teve por objetivo inicial prestar apoio e solidariedade à política genocida e colonial, que já matou mais de 40 mil civis na Palestina, considerando os entre 8 mil e 10 mil desaparecidos sob os escombros, com tempo para visitas oficiais ao primeiro-ministro e ao chefe da diplomacia sionista, é como pode ser definida a ida dos governadores paulista e goiano, Ronaldo Caiado (União Brasil – GO) e Tarcísio Freitas (PL-SP) respectivamente, a “israel” em tempos de genocídio televisionado, entre os dias 17 e 21 de março.

A princípio foi divulgado que os dois governadores teriam sido convidados pelas organizações da Kehilat Or Israel (comunidade brasileira em Israel) e a Gmach Brasil, outro grupo da comunidade brasileira judaica. Mas dias antes do embarque foi noticiado que o governo de Israel, através de seu primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, oficializou o convite para uma agenda oficial, sendo isso o que fora publicado pelas respectivas comunicações de seus estados.

É importante frisar que esta reportagem foi produzida a partir de dados abertos, disponíveis ao público na internet, bem como apuração junto às organizações citadas e aos governos estaduais implicados.

No passeio, Caiado e Tarcísio, inicialmente, visitaram áreas atacadas pelo Hamas em 7 de outubro do ano passado, depois o Museu do Holocausto, e cumpriram agenda conjunta no encontro com Netanyahu e Israel Katz, o linguarudo ministro de Relações Exteriores de Israel, e de negócios ao visitarem a sede da Indústrias Aeroespaciais Israelenses, que fornece tecnologias para defesa espacial, aérea, terrestre, naval, cibernética e interna. Também houve visita ao Ministério da Defesa de Israel para um encontro com representantes do Sibat, organismo para cooperação internacional em defesa, seguido de almoço no mesmo MRE. Tarcísio Freitas também visitou as sedes das startups OrCam, que atua em acessibilidade, e Mobileye, voltada a inovações em mobilidade.

 

A desumanização do outro

Mas voltemos às organizações Kehilat Or Israel e Gmach Brasil. Bem, ambas são sediadas em Israel, na cidade de Ra’anana, que tem 73.100 habitantes e é situada no distrito Central, na Região Sarom, distante cerca de 20 quilômetros de Tel Aviv. Essas duas organizações, no momento, promovem o Projeto Charvot Barzel, uma iniciativa que visa distribuir alimentos e suprimentos para ajudar famílias afetadas após 7 de outubro, bem compra de equipamentos táticos para as forças armadas israelenses. No site da Kehilat Or Israel são informadas duas formas para a doação financeira para a compra de capacetes tipo 1755 e para coletes balísticos 2925. A primeira é para uma conta do Banco Mizrahi, em nome da Gmach Brazil, e a segunda é para uma conta no Brasil, no Banco Bradesco, em nome da Associação Beneficente Cultural Religiosa Mizrachi do Brasil (https://www.kehilatorisrael.com/general-5).

Enquanto isso, do outro lado do muro, na Faixa de Gaza, mais de 2 milhões de pessoas sofrem com a fome e deslocamento, em meio a bombardeios de Israel que já mataram oficialmente 33.634 pessoas (quase 42 mil com as desaparecidas), das quais mais de 14.116 são crianças (mais de 18 mil contadas as desaparecidas) e quase 10 mil são mulheres, além dos já mais 80 mil feridos, números atualizados para 8 de abril conforme dados do Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários e do Ministério da Saúde da Palestina. Somente em Rafah, 1/6 da minúscula Gaza, que tem apenas 365 km², isto é, perto de 20% apenas do tamanho da cidade de São Paulo, mais de 1 milhão de palestinos estão amontados, grande parte feridos com gravidade ou mutilados e sem tratamento ou medicamentos, aguardando ajuda humanitária. Esta segue impedida de ingressar no território por Israel.

 

Dinheiro de doações

Em vídeo publicado no perfil da comunidade Gmach Brasil, pode-se observar um dos líderes da entidade, Nilton Migdal, portando um fuzil, orgulhoso e mostrando um colete balístico, resultado das doações. Migdal se apresenta como consultor de segurança privada e é sócio-administrador da Migdal Consulting Consultoria em Segurança LTDA, empresa sediada na cidade de São Paulo. Sua alegação para o colete que ostenta é de que o teria recebido para se proteger nas rondas que faz pela Polícia de Fronteira de Israel, a Mishmar HaGvul (https://www.instagram.com/p/C5YZhTOszoa/).

Ele costuma aparecer em programas da TV aberta dando pitacos sobre segurança condominial (https://www.migdalconsulting.com.br/migdal-midia).

Em vídeos no Instagram, no perfil da Kehliat, aparece pedindo contribuições para a campanha de doações de equipamentos táticos, defendendo, abertamente, que estas são necessárias para “terminar o serviço contra o Hamas e talvez contra o Hezbollah” (https://www.instagram.com/p/C5FxAi8sPhq/).

Migdal mantém um perfil numa plataforma de doações, a CauseMatch, em que pede doações para Kehliat, com arrecadação ILS 10.318,00, pela moeda israelense, o Novo Shekel, o equivalente a mais de R$ 13 mil (https://causematch.com/Or-Israel2022-pt/46408/).

Em 27 de novembro do ano passado, o mesmo Nilton Migdal anunciava no Instagram a arrecadação de mais de ILS 1 milhão, cerca de R$ 1,3 milhão (https://www.instagram.com/p/C0KG7i9MTG9/).

Outra liderança do Kehilat or Israel é Alberto Rabinovitsch, um carioca radicado há sete anos em Israel, residente em Petah Tikva, aproximadamente 10 km de Tel Aviv. Rabinovitsch foi o cicerone dos governadores Ronaldo Caiado e Tarcísio Freitas e orgulhosamente posa para fotos com ambos (https://www.instagram.com/p/C4pBlFtIuy-/).

 

Perguntas sem respostas

Esta reportagem tentou contato com a Kehliat or Israel, encaminhando perguntas para o e-mail disponibilizado no site da organização, mas não obteve nenhum tipo de retorno. As questões encaminhadas foram as seguintes:

1 – Quanto já foi arrecadado até o momento e qual a quantidade de equipamentos táticos distribuídos aos soldados das IDF pela campanha de apoio aos soldados da linha de frente?

2 – Esse material é comprado no Brasil, é de fabricação brasileira, qual o fornecedor? Se for do exterior, qual a origem?

3 – Por ser um recurso obtido de doação, há alguma isenção do governo brasileiro na remessa para Israel?

4 – O Estado de Israel está em dificuldades para oferecer esses equipamentos aos seus soldados?

5 – Afinal, quem custeou a visita dos governadores dos estados de Goiás e São Paulo, Ronaldo Caiado e Tarcísio Freitas?

6 – Os governadores prometeram algum tipo de doação de equipamentos táticos para os soldados de Israel?

 

Quem pagou e quanto foi a conta do passeio a Israel?

Em contato com a comunicação do governo de Goiás, nos foi informado que a viagem de Caiado foi paga pela Kehilat Or Israel. “O governador Ronaldo Caiado realizou agenda oficial em Israel a convite do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. As despesas de viagem do governador e do ajudante de ordens foram pagas pela comunidade judaica brasileira Kehilat Or Israel”, informou oficialmente o Governo do Estado de Goiás.

A reportagem também perguntou se o governador Caiado firmou algum acordo com Israel ou alguma empresa do país. A resposta foi negativa, citando que já existe um acordo de cooperação entre os entes na área agrícola, que prevê ainda a troca de informações e compartilhamento de novas tecnologias que aperfeiçoariam o Projeto de Fruticultura Irrigada do Vão do Paranã.

Recentemente, em 2 de abril, representantes da Subsecretaria de Políticas para Cidades e Transporte da Secretaria Geral de Governo do Estado de Goiás (SGG), da Metrobus e da Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC) participaram de reunião com o gerente-geral da empresa israelense Optibus, Ronne van Avraham, que se apresenta como líder em soluções de Inteligência Artificial para o planejamento operacional de transportes. O encontro foi realizado no prédio da Antiga Chefatura de Polícia, na Praça Cívica, em Goiânia (https://brilchamber.org.br/governo-de-goias-conhecem-tecnologia-israelense-de-transporte-coletivo/).

Isso mostra, mais uma vez, o grau de cooperação e simbiose existentes entre governadores da extrema-direita brasileira com o estado e empresariado de Israel.  O Brasil, pelo visto, se tornou uma “Meca” de negócios para os israelenses de extrema-direita.

Por sua vez, o governo do Estado de São Paulo não respondeu aos mesmos questionamentos encaminhados pela reportagem.

Viajar para Israel não é nada barato. As passagens áreas variam entre R$ 3 mil e R$ 5 mil. Além disso, existem as despesas com hospedagem e deslocamentos. Certamente, os governadores não se hospedaram em hoteis menos categorizados e baratos em suas estadias em Israel. Será que a Kehliat or Israel, que está em campanha de arrecadação de fundos para apoiar o que o estado de Israel, pelo visto, não está conseguindo oferecer, como capacetes e coletes balísticos aos seus soldados, usou esses recursos para o “passeio” dos governadores de Goiás e São Paulo?

Além disso, o que fica bem claro é que os participantes desses grupos voluntários de brasileiros em Israel, integrantes da Gmach Brasil e da Kehliat or Israel, possuem um engajamento político com integrantes da extrema-direita brasileira, que atualmente apresenta Ronaldo Caiado e Tarcísio Freitas como alternativas à liderança de seu campo político no Brasil. Não é à toa que foram convidados pelo genocida Netanyahu para uma visita oficial.

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