“Ela está morrendo diante dos meus olhos”: a morte das crianças de Gaza por desnutrição sob cerco de “israel”

Com mais de 70 mil crianças hospitalizadas por desnutrição, o bloqueio imposto por "israel" à Faixa de Gaza tem deixado os pais impotentes, assistindo seus filhos definharem.

09/05/2025

Rahaf Ayad com seus pais em casa na Cidade de Gaza, 2 de maio de 2025. (Ahmed Ahmed)

Por Ahmed Ahmed and Ruwaida Amer*

Rahaf Ayad, de 12 anos, está tão desnutrida que mal consegue falar. Seus cabelos estão caindo. As costelas aparecem. Ela mal consegue mover os membros. Pisca lentamente, com as pálpebras pesadas.

Natural de Al-Shuja’iya, no leste da Cidade de Gaza, Rahaf agora vive com sete membros da família em um único cômodo na casa de parentes no bairro Al-Rimal.

Shurooq, mãe de Rahaf, explicou que a saúde da filha começou a piorar rapidamente devido à falta de comida. “Se alguém a toca ou ela tenta mexer os braços ou pernas, ela grita de dor”, disse ao site +972. “Ela diz que sente como se o corpo estivesse queimando por dentro. Ela pede frango, carne ou ovos — mas não há nada nos mercados.”

Shurooq e seu marido Rani, de 45 anos, foram de clínica em clínica em busca de tratamento, suplementos ou orientação, mas o sistema de saúde devastado de Gaza pouco pôde oferecer. “Os médicos disseram que há centenas de crianças como a Rahaf, e a única coisa que pode salvá-las é comida adequada”, contou. “Comprei vitaminas em uma farmácia, mas quando voltei uma semana depois para comprar mais, tinham acabado.”

Os irmãos de Rahaf ajudam a cuidar dela: alimentando-a, dando banho, levando ao banheiro e trocando suas roupas. Quando há comida, a prioridade é dela. “Só comemos depois que ela come”, disse Shurooq. “Quando temos dinheiro, compramos o que ela pede. Mas agora, não há nada — e quando encontramos, não conseguimos pagar.”

Siga a Fepal no X!

Siga-nos também no Instagram!

Inscreva-se em nosso canal no Youtube!

Mesmo quando Shurooq consegue preparar algo simples como arroz, lentilhas ou macarrão, Rahaf chora pedindo frango, carne ou ovos — qualquer fonte de proteína. No fim, a fome vence, e ela come o que tem.

“Eu digo a ela que a fronteira vai abrir em breve, e que trarei o que ela quiser”, disse Shurooq, segurando as lágrimas. “A saúde de Rahaf piora a cada dia. Ela está morrendo diante dos meus olhos, e não podemos fazer nada.”

Rahaf ama a língua inglesa. Sonhava em estudá-la na universidade e se tornar professora. Mas sua vida — como a de centenas de milhares de crianças em Gaza — foi despedaçada pela guerra em curso de Israel.

“Queria que meu cabelo voltasse”, sussurrou Rahaf. “Quero andar e brincar com meus irmãos como antes.”

O assassino silencioso

Há pouco mais de dois meses, Israel impediu a entrada de alimentos, bens e medicamentos na Faixa de Gaza. As consequências foram catastróficas: segundo o Escritório de Mídia do Governo de Gaza, mais de 70 mil crianças estão hospitalizadas com desnutrição aguda, e 1,1 milhão não têm acesso ao mínimo necessário de nutrientes para sobreviver.

O Ministério da Saúde palestino em Gaza informou que, até 5 de maio, pelo menos 57 crianças já morreram por complicações relacionadas à desnutrição, e outras 3.500 menores de cinco anos correm risco iminente de morte por inanição.

“Nas últimas duas semanas, a fome se intensificou significativamente”, disse o Dr. Ahmed Al Faraa, diretor de maternidade e pediatria do Hospital Nasser. “Nesse período, tratamos cerca de 10 crianças com desnutrição grave.”

A pediatra Ahed Khalaf, também do Hospital Nasser, disse à Al Jazeera que nunca haviam visto casos tão graves: as crianças sofrem com envenenamento no sangue, falência de órgãos, danos ao fígado e rins, infecções e imunidade comprometida.

Após o ministro da Defesa israelense, Israel Katz, declarar em 16 de abril que “ninguém planeja permitir ajuda humanitária em Gaza”, distribuidores de alimentos começaram a encerrar as atividades. Em 25 de abril, o Programa Mundial de Alimentos anunciou que esgotou seus estoques. Em 7 de maio, a World Central Kitchen afirmou que não tinha mais suprimentos para cozinhar ou assar pão em Gaza.

“O cerco é um assassino silencioso de crianças e idosos”, disse Juliette Touma, porta-voz da UNRWA. “Há mais de 5 mil caminhões com suprimentos de vida prontos para entrar. A decisão de bloqueá-los ameaça a vida de civis, que ainda enfrentam bombardeios diários.”

‘Todos que conheço estão falidos’

Ibrahim Badawi, 38 anos, precisa de pelo menos quatro quilos de farinha por dia para alimentar sua família de nove pessoas. Hoje, mal encontra um quilo. “Me sinto impotente quando meus filhos pedem pão e não tenho nada para dar”, disse ao +972. “Às vezes, desejo que morramos todos em um bombardeio — para não sofrermos mais de fome.”

Ibrahim Badawi e seus filhos, na tenda da família na Cidade de Gaza, 4 de maio de 2025. (Ahmed Ahmed)

Deslocado de Beit Hanoun, Badawi vive em um abrigo improvisado com lonas e cobertores à beira-mar na Cidade de Gaza. Desde março, não recebeu nenhum pacote de alimentos.

Ele, a esposa e o filho mais velho, Mustafa (15), vão dormir com fome para priorizar os menores. “Meu filho mais novo, Abdullah, de 4 anos, chora de fome dizendo que o estômago dói. Minto dizendo que vou trazer farinha para ele dormir”, lamenta.

Mesmo se houvesse farinha, Badawi não teria como pagar. Um saco de 25kg, que custava NIS 30 (US$8,30) antes da guerra, agora custa NIS 1.500 (US$416). “Já pedi dinheiro emprestado muitas vezes, mas agora todos que conheço estão falidos. Se isso continuar, todos morreremos de fome.”

‘Por que meus filhos devem morrer de fome?’

Hadia Radi, 42 anos, mãe de seis filhos, vive com a família em uma tenda improvisada na Rua Al-Wihda. Em 15 de abril, um ataque aéreo israelense atingiu próximo à tenda, ferindo vários membros da família, incluindo Yamen, de 7 anos, cuja perna foi quebrada.

Yamen está sendo tratado no hospital de campanha da Crescente Vermelha, mas sua recuperação é dificultada pela desnutrição: perdeu 10 kg em dois meses. “Sem nutrição adequada, nossas feridas não cicatrizam”, disse Radi.

Um vizinho, comovido após ouvir Yamen pedindo pão por telefone, trouxe escondido 10 pães. Radi os escondeu como tesouro. “Mandava um por dia com meu marido para o hospital. Os irmãos choravam por um pedaço, mas eu dizia que o mais ferido precisava primeiro.”

Hadia Radi e duas de suas filhas, Sanna, de nove anos, e Huda, de seis anos, 2 de maio de 2025 (Ahmed Ahmed)

Radi também está ferida — usa muletas e não consegue visitar a filha Hannan, de 13 anos, internada no Al-Shifa após perder um olho e a capacidade de andar. “Ela precisa de vegetais, alimentos saudáveis e cuidados especiais. Mas aqui não há nada disso.”

Radi acredita que Israel está matando Gaza de fome para pressionar o Hamas. “Estamos vendo nossos filhos desaparecerem, e ninguém se importa. Nem Israel, nem o Hamas, nem o mundo. Por que meus filhos devem morrer de fome?”

‘Netanyahu nos pune apenas por existirmos’

Heba Malahi, 41 anos, também vive em uma tenda improvisada desde que sua casa foi destruída em 2023. Ela e o marido jejuam frequentemente para alimentar os sete filhos.

Mahmoud, de 6 anos, sofre de desnutrição grave. “Ele está sempre cansado. Seus ossos doem e os dentes começaram a cair”, disse Heba. “Na semana passada, ele pediu tomates. Vendemos nossa última lata de comida para comprar 1 kg — dividimos a refeição.”

Heba Malahi com seus filhos, Mahmoud, de oito anos, e Taysir, de 11 anos, perto de sua tenda na Cidade de Gaza, em 2 de maio de 2025. (Ahmed Ahmed)

Ruba, de 17 anos, sonha com batatas, mas 1 kg custa NIS 60. “Netanyahu nos pune só por existirmos”, diz Heba. “Talvez alguém como Trump consiga forçar a abertura da fronteira antes que todos morramos.”

No sul, em Khan Younis, Mona Al-Raqab está há mais de uma semana com o filho Osama, de 5 anos, no Hospital Nasser. Ele pesa apenas 9 kg. Após múltiplos deslocamentos e falta de água, seu sistema digestivo quase falhou.

Em um quarto próximo, Nagia Al-Najjar cuida do bebê Yousef, de 5 meses, também gravemente desnutrido. Com quatro filhos em uma tenda, a mãe não consegue amamentar. “Quase não como. Não consigo descrever o que é isso para uma mãe.”

Dr. Al Faraa diz que a fome está causando abortos e recém-nascidos deformados. Famílias trituram macarrão, arroz ou lentilhas como substituto da farinha. “Não me importo de morrer de fome”, diz Al-Najjar. “Mas o que meus filhos fizeram para merecer isso?”

* Ruwaida Amer é uma jornalista freelancer de Khan Younis. Ahmed Ahmed é o pseudônimo de um jornalista da Cidade de Gaza que pediu para permanecer anônimo por medo de represálias. Reportagem publicada em 08/05/2025 na +972 Magazine.

Notícias em destaque

07/05/2025

Não há liberdade de imprensa em “israel”: censura contra a mídia bate recorde

Por Haggai Matar* Em 2024, a censura militar em Israel atingiu os níveis [...]

LER MATÉRIA
06/05/2025

Ativistas iniciam campanha pela liberdade dos brasileiros-palestinos sequestrados por “israel”

O Coletivo Palestina Livre da Baixada Santista iniciou, em abril, uma [...]

LER MATÉRIA
05/05/2025

“israel” anuncia abertamente que quer roubar Gaza para sempre, matar palestinos de fome e expulsá-los

Por Mera Aladam* O ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, [...]

LER MATÉRIA
04/05/2025

“israel” intensifica campanha de matança em massa em Gaza com fome e ataques diários

Por Rasha Abu Jalal e Sharif Abdel Quddous* Três gerações da família [...]

LER MATÉRIA
03/05/2025

Bloqueio de Gaza: uma viúva palestina, seus filhos e um armário quase vazio

Por Jason Burke, de Jerusalém, e Malak A Tantesh, de Gaza* Todos os dias, [...]

LER MATÉRIA