A maioria dos palestinos sob genocídio em Gaza quer “outro” lugar para viver

14/02/2025
Por: Ualid Rabah

Entre escolhas e “escolhas”, há algo em comum entre os palestinos, vítimas da orgia genocidária em Gaza, e seus executores, os estrangeiros judeus arrastados à Palestina para realização da solução final na Terra Santa: o direito – e a necessidade – de retorno!

Há uma premissa verdadeira nas declarações criminosas de Trump sobre o desejo dos palestinos residentes em Gaza: de fato, sua esmagadora maioria não quer ali permanecer. E não é pela devastação de Gaza, tornada, na vociferação vulgar de Trump, um “campo de demolição”, ou por tudo que ali sofrem há quase 80 anos.

Bem, se Trump tem “razão”, quase lendo o pensamento da quase totalidade dos palestinos em Gaza, por qual cargas d’água divergir dele? Talvez por uma razão simples demais: estes palestinos não são de Gaza, mas, sim, “vivem” em Gaza há pouco mais de meio século, uma fração de sua história multimilenar na Palestina.

Mas se, tal qual diz Trump, eles estão em Gaza porque não teriam podido escolher outro lugar, não podemos negar-lhe alguma razão. É que estes palestinos ali estão justamente porque não puderam seguir nos lugares onde estavam, de suas escolhas muitos milênios atrás, recentemente descontinuadas pelos euro-judeus sionistas que, nos suspiros terminais do Século 19, resolveram fazer-se “povo” e construtores de um regime supremacista judaico na Palestina.

Estamos, primeiro, diante da escolha pela Palestina, histórica e normalmente havida. Exatamente: havida! Logo, normalmente construída, conforme todas as demais demografias, que se fixaram em dada geografia, nela evoluíram e, de consequência, se fizeram povos, nações, países e, mais recentemente, estados nacionais.

Mas também estamos diante de outra escolha, a dos euro-judeus, que, a um só tempo, desrespeitou a sua própria, anterior e também de tempos imemoriais, a de estarem na Europa, europeus que eram, mas de fé religiosa judaica, bem como a de outro povo, o palestino, noutra terra, a Palestina, “escolhida” para sofrer drástica transformação, deixando de ser a geografia de seu povo originário, para se tornar exclusivamente de um grupo humano estrangeiro, alegadamente “povo” por identidade apenas religiosa, o judaísmo.

 

Bem, então temos que até 88% dos palestinos que residiam no que se tornou “israel” mudaram sua “escolha” anterior, que recua a, quando pouco, 10 mil anos, por uma nova: morar sob lonas, sem absolutamente nada, em países da região, como Jordânia, Síria e Líbano, ou na parte da Palestina que ainda não havia sido alcançada, Cisjordânia e Gaza.

O aparentemente cômico é que esta escolha euro-judaica era flexível, visto que um eventual futuro estado nacional de supremacia judaica poderia ser imposto em quaisquer outros cantos do mundo, igualmente escolhidos por outros povos muito antes, mas recaindo a escolha, em 1897, sobre a Palestina. O cômico – e mais hipócrita que o sionismo em si – aqui é que se outra terra poderia ter sido “prometida” aos “escolhidos”, quantas terras o teriam sido para estes “eleitos”? E mais: onde estaria o “muro das lamentações” em Madagascar, por exemplo, ou Jerusalém na Argentina, ou que “Samaria” aguardava “redenção” em Uganda?

Entretanto, apenas a escolha sionista não bastava; era preciso que ela fosse também “escolhida” por um patrocinador que tivesse poder de anular a escolha milenar dos palestinos, isto é, impor-lhes outra “escolha”, a que “desse” a Palestina aos “escolhidos”. A Grã-Bretanha resolveu, em 1917, também “escolher” a Palestina para, digamos, facilitar a “escolha” dos “escolhidos” e levar a outra “escolha” dos palestinos.

De 1917 a 1948 (de 1922/23 em diante, com a “legalidade” que lhe fora outorgada na forma do “Mandato da Palestina”, pela coalização colonial eufemisticamente denominada “Liga das Nações”), o império colonial britânico tratou de trabalhar estas “escolhas” e, como a história registra, de dezembro de 1947 a novembro de 1951, os palestinos acabaram sendo seduzidos pela misteriosa “escolha” de sair “voluntariamente” da Palestina, deixar para trás suas casas e negócios, suas estradas, portos e aeroportos, escolas e hospitais, bibliotecas e bancos (com seus saldos bancários), sistemas de água e irrigação, suas joias e obras de arte, enfim, tudo o que tinham, para que a “escolha” dos “escolhidos” não fosse atrapalhada e se realizasse a plenos pulmões, inclusive já nascesse com um PIB para o qual não trabalhou. Aos britânicos coube apenas auxiliar nas realizações das duas “escolhas”, que, talvez por falta de “escolha” de sua majestade, foi mais benéfica aos “escolhidos”.

Há quem designe isso limpeza étnica, de fato até genocídio, uma solução final para que a “escolha” sionista, alegadamente divina pelos “escolhidos”, logo, um desígnio manifesto de “deus”, com o qual tinham privilegiado diálogo direto (“deus” escolhe quem o escolheu/inventou), se realizasse. Mas os “escolhidos”, tratam, em narrativa mais mundana, esta sua escolha de “guerra de ‘independência'”, ainda que não tenham conseguido demonstrar até hoje de quem precisamente se libertaram, já que não soa crível que o tenham feito rompendo grilhões britânicos. Enfim, os léxicos também são escolhas, sem o que as “escolhas” na Palestina deste então não seriam credíveis a todas as categorias de incautos.

Bem, então temos que até 88% dos palestinos que residiam no que se tornou “israel” mudaram sua “escolha” anterior, que recua a, quando pouco, 10 mil anos, por uma nova: morar sob lonas, sem absolutamente nada, em países da região, como Jordânia, Síria e Líbano, ou na parte da Palestina que ainda não havia sido alcançada, Cisjordânia e Gaza. A “escolha” foi surpreendente, ao ponto de esta estranha preferência fazer com que mais de 70% dos residentes nestes minúsculos 365 km² sejam resultantes do que “escolhido” 78 anos atrás. Ou seja: tornarem-se refugiados em Gaza por “escolha”!
Como vemos, Trump não inventou a roda, ou mesmo a capacidade de mentir em escala industrial que a muitos assombra, nem, tampouco, a ideia das “escolhas”. Para ele, se “deu certo” antes, quando os palestinos “escolheram” abandonar seus resorts em Haifa, Akka, Jaffa, Nazaré, Cafarnaum, Tiberíades, Jericó, Jerusalém e tantos outros, por qual cargas d’água não estariam abertos a novas “escolhas”? Afinal, ainda que hoje, tal qual antes, a “escolha” seja motivada pelo “campo de demolição”, que culpa tem Trump diante da realidade posta pelas “escolhas”, muito anteriores a ele? Se diante de todo o “ocidente”, neste incluídos os EUA e todos os seus presidentes de 1947 até 2023, os palestinos puderam “escolher” onde estar e “viver”, inclusive habitando os “campos de demolição”, sem nisto terem sido molestados, por que é negado a Trump permitir aos palestinos novamente o direito de “escolha”?

 

Aliás, os sionistas “escolhidos” também escolheram o direito de retorno dos palestinos, neste caso ao acatarem a Resolução 194 como uma das cláusulas condicionantes de outra Resolução, a 273/III, de 11 de maio de 1949, que admitiu “israel” como estado-membro das Nações Unidas.

Falta apenas que os palestinos hoje na “escolhida” Gaza, ou a maioria que “escolheu” neste “campo de demolição” estar, quase oito décadas antes, esclareçam a Trump de sua nova “escolha”, sobre a qual o inquilino de plantão da genocidária Casa Branca não refletiu ainda, até por falta do mais anêmico conhecimento histórico: retornar aos 774 resorts que habitavam entre 1947 e 1951, 531 deles tornados “campos de demolição” e varridos do mapa, dos quais “escolheram” sair “voluntariamente” para viver aquela aventura paradisíaca dos viajantes, só que mais radicalmente, em campos de refugiados ou diaspóricos mundo afora.

Trump, como homem que sabe “escolher”, bem como “negociar”, não terá como deixar de considerar esta escolha, a mais sedimentada entre os palestinos, a do retorno, conforme determina o Direito Internacional, conforme expressamente esculpido na Resolução 194 da ONU, de 11 dezembro de 1948.

Aliás, os sionistas “escolhidos” também escolheram o direito de retorno dos palestinos, neste caso ao acatarem a Resolução 194 como uma das cláusulas condicionantes de outra Resolução, a 273/III, de 11 de maio de 1949, que admitiu “israel” como estado-membro das Nações Unidas. A segunda cláusula condicionante nesta admissão é a Resolução 181, de 29 de novembro de 1947, que recomendou (e apenas recomendou) a partilha da Palestina, o que implica restituição territorial que levaria o Estado da Palestina a realizar-se em ao menos 42,9% de sua geografia histórica, isto é, quase o dobro dos destinados para a mesma realização pelo Acordo de Oslo (1993), de apenas 22%.

Se “israel” respeitasse parte de suas escolhas reais, dentre elas as contidas na Resolução 273/III, teríamos a restauração demográfica da Palestina, com o desfazimento da limpeza étnica, e geográfica, ao menos aos termos da partilha recomendada (42,9%).

Ademais, cabe destacar que o desrespeito continuado, e mesmo agravado, destas escolhas feitas por “israel” em 1949 obrigado a Comunidade Internacional a uma escolha: excluir o regime sionista da ONU, onde só poderia estar sob as cláusulas condicionantes que escolheu para que sua admissão como estado-membro se desse. Bem, claro que está é apenas uma de todas as muitas centenas de resoluções desrespeitadas pelo regime supremacista judaico de “israel”, algo que nem mesmo os EUA, que têm direito a veto no Conselho de Segurança da ONU, o fizeram, sequer no curto período em que se acreditaram hiperpotência.

 

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Ao fim e ao cabo, as “escolhas” do passado podem ser reexaminadas pelos euro-judeus hoje “israelenses” e pelos palestinos. Os primeiros podem rever sua péssima “escolha” de levar os europeus não-judeus a persegui-los e, com isso, poderem, sem riscos, adotar nova “escolha”, nada mais ou menos que a única que de fato haviam feito: viver na Europa porque sempre foram cidadãos europeus. Os palestinos também repensariam sua “escolha” de serem limpados etnicamente pelos estrangeiros euro-judeus sionistas e escolheriam, como melhores para suas vidas, seus antigos resorts, reescrevendo a Nakba.

Em ambos os casos, uma coincidência: retornariam aos lugares de onde jamais deveriam ter sido expulsos. Por paradoxal que possa parecer, palestinos e euro-judeus, notadamente os feitos “israelenses” em terras alheias, têm em comum o direito de retorno. A Palestina é dos palestinos, sejam de que fé religiosa forem, e a Europa é de todos os europeus, professem o judaísmo ou qualquer outra fé religiosa. Sempre foi simples assim!

Todos retornam aos seus resorts, inclusive o número mágico de Trump de 1,5 milhão de palestinos a serem “voluntariamente” limpados etnicamente para outros países (é exatamente o que totaliza a população palestina refugiada e seus descendentes em Gaza), terminamos com todos os “campos de demolição” (e de concentração e extermínio, caso de Gaza), reconstruímos Gaza para que volte a ser o resort que sempre foi, desde os tempos dos faraós, e até anteriores a eles, para que os palestinos desta parte da Palestina sigam suas vidas como o faziam desde milênios.

Por fim, aos não-palestinos que escolherem permanecer na Palestina, asseguramos que não haverá nela o antijudaísmo europeu que os levou às suas malogradas “escolhas”, conquanto escolham respeitar os diretos humanos e a legalidade internacional, o que implica reconhecer a integralidade dos direitos nacionais, civis e humanitários do povo palestino, numa Palestina sem supremacismo e colonialismo, sem genocídio e limpeza étnica, sem “escolhidos” e apartheid.

No final das contas, todos numa Palestina restaurada ao que era antes do empreendimento colonial sionista, o que exige o desmantelamento do regime sionista. Assim foi na Alemanha, que desmantelou o regime nazista, ou na África do Sul, que desmantelou o regime supremacista branco, ambos constituídos por autoproclamados “escolhidos”. Alemanha e África do Sul estão hoje melhores que antes. Não será diferente na Palestina, pelo que não há o que temer. Afinal, se aos judeus hoje designados “israelenses” for dado o direito de escolha, improvável que sua maioria escolheria viver para gerir um regime supremacista e genocidário, no qual sua única certeza é ser o kapo do “ocidente” para o extermínio do povo palestino, tarefa renovada a cada amanhecer em um terá para a qual sequer escolheram “retonar”. E aos palestinos, claro, nunca houve outra escolha que não a de retornar para seus resorts e viver em paz e segurança.

Ou alguém duvida da angústia de quem precisa exterminar outro povo, caso de cada israelense, e da dor de cada palestino, que precisa certificar-se, todos os dias, de que seguem vivos ele e sua família?

Ualid Rabah é presidente da FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil