UFC: do falso debate acadêmico ao direito de refutar o sionismo

Ativistas solidários ao povo palestino realizaram manifestação contra o genocídio sionista na semana passada em Fortaleza

08/11/2024

Ativistas ocupam local do evento sionista na UFC. Foto: AND

Por Ualid Rabah*

Há uma certa polêmica, absolutamente falsa e vulgar, em torno de manifestação havida na Universidade Federal do Ceará (UFC) contra um alegado debate promovido por seu Programa de Pós-graduação em Sociologia, que reuniu sionistas que debateriam, em uma conferência de abertura do segundo semestre, sob o título “Entre a barbárie e o messianismo: perspectivas para o dia seguinte na atual crise do conflito (sic) palestino-israelense”. A grita é que o evento não ocorreu, no passado 30 de outubro, porque impedido por manifestantes, grosseiramente taxados de “antissemitas”, e mesmo de fascistas. Impressionante!

Parcela da comunidade acadêmica estudantil da UFC se manifestou para denunciar o genocídio em curso na Palestina, acreditando, não sem razão, que são falsos os debates de que tomam parte sionistas confessos. Isso porque visam higienizar “israel” como o regime supremacista que é, que promove, há 77 anos, limpeza étnica na Palestina, num experimento colonial de novo tipo. Esse experimento pretende substituir integralmente a população milenarmente originária, a palestina, por uma estrangeira, falsamente homogeinizada por credo religioso comum, o judaísmo.

Logo, nem de longe tratou-se, como balbuciado pela inquisição sionista, de antijudaísmo, também farsescamente designado “antissemitismo”. É preciso refutar veementemente o uso indevido do termo “antissemitismo”, especialmente porque é historicamente uma farsa, aplicado por europeus antijudeus a euro-judeus jamais semitas em sua esmagadora maioria, com vistas a torná-los estrangeiros na também sua Europa. E, depois, para dar aos sionistas o discurso colonial de que necessitam, isto é, de que teriam saído da região da Palestina, por isso “semitas” (estrangeiros na Europa), e por isso estariam apenas “retornando” de onde teriam saído (diáspora), fato historicamente já desmentido por renomados historiadores e arqueólogos.

Poderia, então, ser antijudaísmo porque dirigido contra judeus nalguma dessas mesas de “debate”? Também não. É que criticar um regime supremacista, cuja supremacia é para beneficiar um grupo religioso, o judeu no caso, portanto uma supremacia judaica, nada tem de antijudeu, mas de antirracista porque é uma manifestação contra um regime supremacista. Criticar a Alemanha Nazista e o nazismo não significou atacar os alemães ou a germanidade, por exemplo. No que tange à Palestina e ao regime que a ocupa, trata-se de criticar um regime estatal supremacista, racista, de Apartheid, que dá por cidadãos apenas os membros de um dado grupo, tomado por critério religioso escolhido pelo regime para forjar um elemento “étnico”, tornando os demais, não desta fé religiosa, meio cidadãos, sem plenos direitos humanos ou nacionais. Criticar isso nada tem de antijudeu e, claro, menos ainda do farsesco “antissemitismo”.

Criticar o estado de “israel” também é perfeitamente lícito e moral, pois trata-se, apenas, de criticar uma forma estatal que se faz por meio de um regime supremacista, que impõe à população palestina um experimento colonial de novo tipo, que pressupõe a integral judaização da Palestina, demográfica e geograficamente. Isso é limpeza étnica e criticar o estado que a promove está amparado no Direito Internacional e nas convenções internacionais que tornaram crimes de lesa-humanidade o genocídio, o apartheid e o colonialismo. Criticar o regime estatal de supremacismo branco na África do Sul, por exemplo, significava exatamente isso.

Logo, criticar o sionismo, que foi precisamente o que estes manifestantes fizeram, nem de longe importa em antijudaísmo ou, na forma vulgar de referir, “antissemitismo”. Os sionistas, hipocritamente, alegam que o sionismo é o seu “movimento de libertação nacional”. Nada mais fora da realidade. Sionismo é uma ideologia colonial e racista, nascida na Europa colonial e supremacista. É análoga (e anterior), por exemplo, ao nazismo, seja porque igualmente supremacista, seja porque projetou um estado exclusivamente judeu, a ser imposto em algum canto do mundo, vindo a Palestina a ser seu endereço em 1897, por escolha da maioria dos delegados ao 1º Congresso Sionista.

Imaginar como querem os sionistas seria, pasme-se, aceitar a ideia de que um projeto colonial pode, também, ser um movimento emancipatório, de autodeterminação, como vergonhosamente propagam os defensores do sionismo. Seria como imaginar os ingleses arvorando-se ao direito de autodeterminação na Índia, fazendo-o em face do povo indiano. Ou os brancos supremacistas reclamando o mesmo na África do Sul, em detrimento da população originária à qual era imposto o regime de apartheid.

Ademais, em face de quem poderia o sionismo reclamar, na incomum condição do alegado movimento de libertação nacional do “povo judeu”, sua autodeterminação? Seria contra os palestinos, por exemplo, que estão na Palestina desde sempre, desde os primeiros cananeus, 12 mil anos atrás ao menos? Ou os sionistas estariam se libertando do Império Britânico, que impôs aos palestinos o plano sionista, desde a Declaração Balfour, de 2 de novembro de 1917, emitida justamente pelos britânicos e em cujo texto conta a promessa aos sionistas euro-judeus de um “lar nacional” na Palestina? Os sionistas, por acaso, combateram os britânicos, ao lado dos palestinos, na guerra de libertação de 1936/39, ou estiveram, conforme a história registra, ao lado das tropas coloniais inglesas, matando combatentes originários?

Tem algum sentido a alegada autodeterminação sionista em 14 de maio de 1948, momento em que as tropas britânicas saem da Palestina, inclusive tendo deixado para as milícias sionistas parte de seu armamento, seus QGs e toda a estrutura estatal colonial que criaram? Que tiro deram contra os britânicos?

Ou, mais bem, esta farsesca autodeterminação a que se referem os sionistas é o processo de tomada da Palestina, iniciado em 17 de dezembro de 1947 e que foi seguido pela limpeza étnica até outubro de 1951, período no qual 774 localidade palestinas, muitas milenares, foram invadidas, das quais 531 destruídas, processo que levou à tomada pela força de 78% da Palestina e, desta porção geográfica, à morte ou expulsão de 88% da população palestina, no que é compreendia como a maior limpeza étnica da história?

Bem, se o sionismo não empreendeu luta anticolonial porque é ele próprio uma empreitada colonial, bem como porque não poderia ter promovido luta de libertação nacional contra seu patrocinador e protetor, o império colonial britânico, ou, ainda, porque é inconcebível imaginar que haja autodeterminação de um grupo humano qualquer em terra de outro povo e não em seu espaço geográfico histórico (a Europa, no caso dos europeus professantes do judaísmo aderentes ao sionismo), que farsa é essa?

Ora, sim, uma farsa, porque estamos diante de colonizador que toma o lugar do colonizado, como é na Palestina. É o primeiro caso na história conhecida de tal inversão.

Se é rigorosamente assim, fica evidente que todos os pressupostos sionistas são falsos, inclusive no pretenso “debate” na UFC. É um atentando à seriedade de um espaço acadêmico aceitar que uma mentira seja tornada ciência. É verdadeiro atentado a tudo que é racional e civilizado usar o espaço universitário para normalizar um regime de apartheid, inclusive em pleno genocídio televisionado contra o povo palestino em parte de seu território histórico, a Faixa de Gaza.

Então, não há como afirmar que os manifestantes estivessem errados no mérito. Bem ao contrário, estavam muito corretos e, neste particular, os apoiamos.

Fora disso, temos certo inconformismo acerca de eventuais preferências políticas dos manifestantes, inclusive para a cena palestina. Na regra, isso não é assunto do movimento nacional palestino, visto que, de nossa parte, buscamos a solidariedade de todos os espectros políticos e ideológicos, inclusive para que a questão palestina não fique restrita a guetos. Os solidários podem ter a visão de mundo que tiverem, conquanto não seja supremacista, colonialista ou imperialista. Esse é um pressuposto que impede quaisquer discriminações a outros grupos, assim afastando de nós o abjeto antijudaísmo. Aliás, sempre alertamos: os que cavalgam a questão palestina para promover o antijudaísmo, que se retirem, porque não são bem-vindos.

Podem, ainda, pairar dúvidas quanto aos métodos utilizados para impedir o alegado debate. Pelo que pudemos constatar, não houve nenhuma violência explícita. E se houve algum excesso verbal, como alegado, podemos culpar o excesso de militância, comum na juventude. Mas não o fizeram em tom racista, nem para estar do lado errado da história, é bom esclarecer. Seu sangue ficou quente e o coração mais pulsante pela indignação, pela ira santa, a mesma de Teotônio Vilela ao tempo em que rompeu com o arbítrio para defender a restauração da democracia no Brasil.

Por fim, se alguém errou, foram os que se valeram das mais grotescas mentiras para detratá-los, dentre elas a dos estupros em 7 de outubro do ano passado, desmentidas até pela mídia israelense, ou a de que teria havido crianças decapitadas e até cremadas, fake news desmentida em “israel” e em todo o “ocidente” no mesmo dia.

Também a versão das 1.400 (andam baixando para 1.200) mortes de israelenses pela ação palestina é outra falsificação grosseira, visto que o órgão governamental do regime equivalente à seguridade social brasileira listou 695 mortes, das quais 365 teriam sido provocadas pelas forças do regime ocupante, conforme reclamação de familiares que, ademais, buscam indenizações.

Outras questões levantadas pelos sionistas, como a alegação de que defender uma Palestina livre do rio ao mar implica na desaparição de “israel”, embutem outro problema, que se resolve com a qualificação do discurso, até para não dar munição aos defensores do regime supremacista em terras palestinas. Mas isso fica para outro momento, em que faremos apontamentos críticos do uso desqualificado desta e de outras expressões, mais facilitando a esgrima sionista do que ajudando a libertar a Palestina.

*Ualid Rabah é presidente da FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil

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