Youtube exclui canal de jornal brasileiro que denuncia genocídio “israelense” em Gaza
"É um ato gravíssimo de censura à imprensa popular, democrática e pró-Palestina e que vai para além do nosso canal. O AND tem um acervo de mais de 10 anos de produção audiovisual que estavam guardados no canal"
16/01/2025Logotipo do jornal, que foi fundado há mais de 20 anos
Na segunda-feira (15), o YouTube encerrou de maneira abrupta e sem aviso prévio o canal do jornal A Nova Democracia (AND), conhecido por sua linha editorial revolucionária e por dar voz às lutas populares no Brasil e no mundo. A medida ocorreu apenas um dia após a plataforma desmonetizar o canal sob a justificativa de que o conteúdo violava a política de “organizações criminosas violentas”.
Segundo a redação do AND, o encerramento do canal representa um ato de censura contra uma imprensa que, ao longo de mais de duas décadas, tem denunciado os crimes do Estado e documentado as lutas das massas populares. O banimento também impede o jornal de acessar e salvar mais de 15 anos de acervo audiovisual, que inclui coberturas exclusivas de chacinas policiais, remoções forçadas e resistências populares.
Em comunicado, o YouTube afirmou que o canal do AND violava suas diretrizes ao supostamente apoiar “organizações criminosas ou extremistas violentas”. A política da plataforma proíbe conteúdos que promovam ou facilitem atividades de grupos considerados violentos. Entretanto, o jornal rebateu a acusação, afirmando que o único “crime” cometido foi dar visibilidade à luta de camponeses, indígenas, quilombolas e à resistência do povo palestino.
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Entre as coberturas questionadas pela plataforma está o programa “Plantão Palestina”, criado em 2023. O episódio mais recente, intitulado “Editor da BBC é colaborador do Mossad e da CIA/Houthis lançam 40 mísseis”, foi apontado como motivo para a desmonetização no dia anterior ao banimento. O AND afirmou que o programa, que contabilizava mais de 200 edições, buscava relatar com coragem os eventos da luta de libertação nacional palestina.
A redação também destacou que o canal sempre primou por uma abordagem comprometida com a verdade e os interesses populares. “É evidente que o YouTube considera nossa histórica cobertura sobre a guerra camponesa no Brasil e a resistência do povo palestino como uma afronta às diretrizes reacionárias e sionistas da plataforma”, afirmou o jornal em nota.
“É um ato gravíssimo de censura à imprensa popular, democrática e pró-Palestina e que vai para além do nosso canal. O AND tem um acervo de mais de 10 anos de produção audiovisual que estavam guardados no canal”, afirma ao site da Fepal o repórter Enrico Di Gregorio, do AND.
Cobertura comprometida com a luta do povo palestino
O jornal A Nova Democracia começou o programa “Plantão Palestina” no dia 9 de outubro de 2023, dois dias após o início da nova ofensiva genocida. “Foi o primeiro programa audiovisual diário de um jornal popular e democrático lançado após o 7 de outubro para cobrir a guerra na Palestina. O programa ficou marcado pela denúncia contundente do genocídio do Estado nazi-sionista de Israel e pela defesa das ações da Resistência Nacional Palestina”, declarou a redação do jornal em nota enviada ao site da Fepal.
Ao todo, mais de 300 edições do programa foram exibidas no canal agora excluído pelo Youtube.
A produção audiovisual do AND priorizou dar espaço a ativistas e jornalistas pró-Palestina e membros destacados da comunidade palestina no Brasil e no exterior, como Ualid Rabah (presidente da Fepal), Emir Mourad (presidente da Coplac) e Ahmad Shehada (presidente da Ibraspal). Também cobriu, no programa Plantão Palestina, as manifestações populares e estudantis contra o genocídio e eventos como o 11° Congresso da Fepal.
Em dezembro de 2023, o AND foi, junto do Dr. Abdel Latif Hasan, à Vila Minha Pátria, em Morungaba (SP), para fazer uma reportagem com famílias palestinas refugiadas de Gaza após o 7 de outubro. A reportagem está em fase de edição e seria publicada no canal do Youtube esse mês (janeiro).
Por fim, o AND estará presente, entre os dias 18 e 19 de janeiro no Fórum Palestino Internacional de Mídia e Comunicação. O jornal é convidado especial da organização do evento, mas também vai transmitir partes do evento em suas redes sociais e entrevistar personalidades. Caso o canal não tivesse sido banido, todo o material seria transmitido e publicado lá.
Um histórico de jornalismo combativo
Reconhecido internacionalmente, o canal do AND tornou-se referência por sua cobertura de conflitos sociais e resistências populares. Desde a sua fundação, o jornal documentou momentos históricos como as Jornadas de Junho de 2013, os despejos forçados no Rio de Janeiro às vésperas da Copa do Mundo de 2014 e as chacinas de Pau D’Arco e de outras regiões rurais. Diferente dos grandes veículos de comunicação, o AND optava por cobrir os acontecimentos “do chão”, ao lado das comunidades atingidas.
Nos últimos anos, o jornal também investiu em uma produção audiovisual mais robusta, lançando programas diários sobre temas nacionais e internacionais. Entre as produções que ganharam destaque estão entrevistas com importantes vozes pela libertação da Palestina, como Ramzy Baroud, editor do portal Palestine Chronicle, e Ahmad Shehada, presidente do Instituto Brasil-Palestina. Essas entrevistas, assim como documentários e reportagens exclusivas, agora correm o risco de serem perdidos para sempre.
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A remoção do canal do AND ocorre em um momento de crescente debate sobre a atuação das grandes plataformas digitais e seus critérios de moderação. Nos últimos anos, vários veículos de comunicação independentes e ativistas têm relatado ações semelhantes, que incluem desmonetização, exclusão de conteúdos e banimentos. Em muitos casos, as plataformas são acusadas de adotar diretrizes alinhadas aos interesses de governos e corporações, restringindo o espaço para vozes dissidentes, o que ficou evidente desde o 7 de outubro de 2023.
Em entrevista recente, o jornalista Esteban Carillo, do portal The Cradle, que também sofreu censura no Instagram, afirmou: “Quando somos atacados dessa forma, é porque estamos fazendo bom jornalismo, jornalismo a serviço do povo”. A declaração ecoa a postura da redação do AND, que vê o banimento como um reconhecimento implícito da relevância e impacto de seu trabalho.
“Apesar de condenável, o ato não nos pega de surpresa: sabemos que essas plataformas são controladas por magnatas imperialistas e sionistas e essa não é a primeira vez que o AND sofre ataques (alguns foram mais graves, como campanas e sabotagens) nos seus mais de 20 anos de história. Isso não abalará em nada nossa produção. Seguimos comprometidos com o jornalismo popular, democrático, anti-imperialista e a serviço do povo”, diz ainda Di Gregorio.
Resistência e mobilização
Apesar dos ataques, o AND afirma que não irá recuar. Em comunicado, o jornal exortou seus leitores, apoiadores e colaboradores a ampliarem a divulgação da denúncia contra o YouTube e reforçarem o apoio financeiro ao projeto. “Ao longo das últimas duas décadas, temos nos sustentado com a contribuição de trabalhadores, estudantes e da intelectualidade progressista. Seguiremos firmes, inalterados em nossa linha editorial.”
O jornal também anunciou que irá contestar a decisão da plataforma, utilizando a única oportunidade de recurso oferecida pelo YouTube. Além disso, o AND busca alternativas para recuperar e preservar seu acervo, que inclui registros únicos de lutas sociais no Brasil e no mundo.
A censura ao canal do AND reforça a importância de se apoiar a mídia independente em tempos de crescente controle sobre a informação. “A história nos mostra que a verdade e a luta popular nunca são apagadas. Seguiremos fazendo jornalismo revolucionário, a serviço do povo e da liberdade”, conclui o comunicado.
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