Palestina: o Brasil entre a limpeza étnica do povo palestino e a “solução final” buscada por Israel
07/08/2020Há 72 anos, mais precisamente em 29 de novembro de 1947, eram lançadas as bases do que viria a ser a primeira limpeza étnica após a 2ª guerra mundial, a da Palestina. O mais grave: isto se deu a partir da ONU, feita nascer justamente para evitar as guerras e promover a paz mundial e as soberanias dos povos e nações. Ao invés disso, aceitou debater uma partilha, a da Palestina, para ali fazer nascer outro estado, judeu, para abrigar estrangeiros que para lá foram dos anos 1920 em diante, quando imposto o colonialismo inglês aos palestinos e este promoveu esta imigração contra a vontade do povo originário que ali vivia fazia mais de 10 mil anos.
Naquele momento a ONU ainda era nascente e poucos os países que a compunham, o Brasil um deles. Por imposição dos EUA, a nova organização global aceitou discutir uma promessa feita pelo império colonial inglês aos europeus professantes do judaísmo, o que havia se dado a 2 de dezembro de 1917, em carta assinada por Arthur James Balfour, então ministro dos negócios estrangeiros da coroa britânica, dirigida ao banqueiro Lorde Rothschild, liderança sionista empenhada na realização do sonho nacional judeu, denominado sionismo.
O documento, que ficou conhecido como a Declaração Balfour, promete uma terra que não é britânica a um povo que lá jamais viveu, em detrimento do palestino, que lá sempre viveu e jamais foi consultado, nos seguintes termos:
“Caro Lorde Rothschild, alegro-me em poder comunicar-lhe, em nome do governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia pelo movimento judaico-sionista, apresentada e aprovada pelo gabinete oficial: A construção de uma pátria para os judeus na Palestina é vista pelo governo de Sua Majestade com bons olhos.
Sua Majestade fará tudo o que for de seu alcance para facilitar os caminhos rumo a esse objetivo. Deve-se ressaltar, no entanto, que nada deve ser feito no sentido de prejudicar os direitos civis e religiosos dos povos não judeus que vivem na Palestina, ou de prejudicar os direitos e a situação política de judeus em algum outro país.”.
Como se vê, além de prometer, o colonialismo britânico se compromete a facilitar a tomada da Palestina pelos estrangeiros de fé judaica que para lá emigrarão, o que fez ao impor esta imigração e aniquilar a resistência palestina e seu movimento nacionalista, encarcerando, torturando, matando ou exilando seus líderes, especialmente nos anos 1930. E não bastou constar do documento a ressalva de que “nada deve ser feito no sentido de prejudicar os direitos civis e religiosos dos povos não judeus que vivem na Palestina”, visto tudo que se deu na Palestina sob mandato colonial e após, quando Israel se autoproclama estado e promove a limpeza étnica.
A ONU debate por semanas a chamada Partilha da Palestina e a 29 de novembro de 1947 aprova uma Resolução, a 181, neste sentido, absolutamente desiquilibrada e injusta: os palestinos, que, além de originários, são 1,4 milhão de habitantes e detentores de 95% da posse/propriedade da terra, ficam com apenas 42,6% para seu futuro estado “árabe”, enquanto que os “judeus” ficam com 56,7% do território, ainda que sendo somente 700 mil (ao redor de 25% destes eram também originários, porque palestinos professantes de judaísmo) e detendo menos de 5% do solo palestino. Os restantes 0,7% do território (Jerusalém) são área internacionalizada e prevista na resolução ser administrada pela ONU.
De 29 de novembro a 14 de maio de 1948, data em que Israel se autoproclama estado, muitos crimes foram cometidos pelas organizações judaico-sionistas, todas armadas e agindo como gangues terroristas. Sua principal missão era impor o terror aos camponeses palestinos, que não tinham armas ou munições para suas autodefesas. Buscavam-se suas fugas. O massacre da pequena povoação de Deir Yassin, situada às portas de Jerusalém, quando todos os moradores encontrados foram mortos no dia 9 de abril de 1948, visou ao princípio desta política de terror e era a senha do que viria a acontecer.
Feita a autoproclamação, o inimaginável se deu: 774 cidades e povoados palestinos ocupados, dos quais 531 totalmente destruídos; 70 massacres cometidos, com mais de 15 mil mortos, incontáveis feridos e mutilados e dois terços da população originária, a palestina, expulsa pelos estrangeiros recém-chegados. Considerados os 76% da Palestina tomados a força naquele então, são levados a êxodo desta porção, de acordo com a ONU, 725 mil dos 900 mil palestinos que viviam no que passa a ser a Israel autoproclamada. Ou seja: 81% de toda a população palestina é morta ou expulsa para nascer pela violência Israel.
E é desta limpeza étnica que resultam, de acordo com a ONU, os perto de 6 milhões de refugiados palestinos, monumentais 9% de todos os refugiados no mundo atual, contados à casa dos 70 milhões. Este dado apenas indica o tamanho do HOLOCAUSTO palestino: somos apenas 0,2% da população mundial, mas respondemos por 9% dos refugiados, isto é, 45 vezes mais do que somos enquanto população no mundo. Cartesianamente, respondem os palestinos por 45 refugiados para cada um de qualquer outro grupo étnico no mundo. É um holocausto olímpico!
Mas o que o Brasil tem que ver com isso? Bem, a partilha é aprovada com o voto brasileiro. Aliás, o Brasil presidiu a sessão da Assembleia Geral da ONU que aprovou a partilha. O diplomata Osvaldo Aranha era o chefe da legação diplomática brasileira na ONU e foi ele quem presidiu a sessão. Mas esta é apenas a parte publicamente conhecida.
O que nos interessa debater agora relaciona aquele passado com o presente. É que naquele momento o Brasil era comandado por forças extremistas e total e acriticamente alinhadas aos EUA, ainda que contra os interesses brasileiros. Era Eurico Gaspar Dutra o presidente e Raul Fernandes o seu ministro de relações exteriores e foram eles os que impuseram o alinhamento automático do Brasil à posição dos EUA no que respeita à partilha da Palestina. Correspondência diplomática havida naquele momento entre Aranha e Fernandes permite saber que o primeiro era crítico da partilha, mas esta lhe foi imposta porque assim decidido pelo governo ao qual servia.
Se foi o extremismo que levou o Brasil a não pesar suas responsabilidades no que tange à injustiça da partilha em si, bem como aos riscos de limpeza étnica e todas as demais atrocidades que se abateram sobre o povo palestino, percebe-se que é o mesmo extremismo de hoje que pode levar o país a novamente alinhar-se com as posições mais radicalizadas em relação aos direitos do povo palestino.
Já vemos isso na prática desde os primeiros instantes do novo governo e de sua política externa. A tentativa de transladar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, contrariando o Direito Internacional e todas as resoluções da ONU para a questão, bem como votando com EUA e Israel contra resoluções alusivas à Palestina, desfazendo décadas de nossa política exterior de obediência a este mesmo direito e resoluções, não deixam dúvidas quanto à nova era de extremismo e capitulação do Brasil aos interesses anglo-sionistas.
O que está em jogo hoje é se Israel conseguirá ou não tomar toda a Palestina e expulsar todo o seu povo, isto é, dar à Questão Palestina uma “solução final”. Será o Brasil atual tão extremista quanto foi o de 1947 para dar seu aval a novos crimes de lesa humanidade na Palestina? Esta é a questão posta, da maior gravidade, e sobre a qual devemos nos debruçar para evitar.