“Gaza no Coração” está na semifinal do Prêmio Jabuti Acadêmico: “a solidariedade é o grande tema do livro”, diz organizador

“A gente não esperava que isso acontecesse. Foi uma surpresa porque há uma censura estabelecida sobre tudo que envolve a Palestina, especialmente sobre o genocídio em curso”, afirma Rafael Domingos Oliveira

19/07/2025

Gaza no Coração (Elefante, 2024, 422 p.) Foto: Divulgação

Na última segunda-feira (14), a Câmara Brasileira do Livro (CBL) anunciou, durante a 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Recife, os semifinalistas da segunda edição do Prêmio Jabuti Acadêmico. Entre os indicados, destaca-se Gaza no Coração (Elefante, 2024, 422 p.), obra coletiva organizada pelo historiador Rafael Domingos Oliveira, que concorre na categoria Divulgação Científica do Eixo Prêmios Especiais. Os finalistas serão divulgados na próxima terça-feira (22), e os vencedores serão conhecidos na cerimônia marcada para 5 de agosto, em São Paulo.

Organizador do livro e doutorando em História pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Rafael Domingos classifica a indicação como uma surpresa positiva, especialmente diante do contexto de censura à causa palestina. “A gente não esperava que isso acontecesse. Foi uma surpresa porque há uma censura estabelecida sobre tudo que envolve a Palestina, especialmente sobre o genocídio em curso”, afirma ele ao site da Fepal.

Lançado em meio à intensificação dos ataques israelenses à Faixa de Gaza, que já se estendem por quase dois anos com o extermínio de 70 mil palestinos, Gaza no Coração reúne 47 autores e autoras de diversas áreas do conhecimento e campos de atuação. Entre os colaboradores estão professores universitários, pesquisadores especializados no Oriente Médio, militantes da causa palestina — inclusive palestinos —, lideranças de movimentos sociais, ativistas negros, feministas, LGBTs e figuras públicas do Brasil e do exterior. O presidente da Fepal, Ualid Rabah, e a diretora de Relações Institucionais da Federação, Maynara Naffe, assinam dois textos.

“É um livro que tem uma diversidade temática e de linguagens. Vai desde textos acadêmicos até ensaios, crônicas e até um conto, escrito por Milton Hatoum, que encerra o livro”, conta Rafael. Segundo ele, o objetivo da obra é duplo: informar e mobilizar. “São textos que convocam. A solidariedade é o grande tema do livro.”

Além de autores brasileiros, a coletânea traz contribuições de intelectuais reconhecidos internacionalmente, como Silvia Federici, François Vergès, Tithi Bhattacharya e Raúl Zibechi. “Tem brasileiros, palestinos, europeus e latino-americanos. É um documento do nosso tempo”, resume Rafael.

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Para o organizador, o Jabuti Acadêmico oferece ao livro uma plataforma essencial para dar visibilidade à pauta palestina, especialmente em setores nos quais ela ainda enfrenta resistência. “Mais importante do que o reconhecimento é a visibilidade que o prêmio oferece. A causa palestina ainda é ignorada por muitos no meio artístico e literário, mesmo diante de um genocídio em curso”, critica. Ele observa que o campo intelectual brasileiro, apesar de sua capacidade de análise crítica e formação humanista, ainda falha em se posicionar de forma contundente diante da barbárie imposta ao povo palestino pelo sionismo.

“A maior parte da academia e da classe artística ainda está em silêncio. Mesmo pessoas que têm instrumental teórico para reconhecer o genocídio — que estudaram colonialismo, apartheid, racismo — acabam tergiversando, relativizando a causa palestina”, lamenta Rafael. Para ele, o papel do livro é também provocar esse meio. “O genocídio em Gaza é o grande tema do nosso tempo. É como o Vietnã foi para a geração de 1970. É o evento síntese das lutas do nosso tempo.”

A comparação entre a situação dos palestinos e a realidade de populações oprimidas no Brasil é um ponto central do livro e da visão de seu organizador. “A população negra, indígena, as mulheres e LGBTs brasileiras reconhecem na Palestina o seu próprio cotidiano. A limpeza étnica, a desigualdade, as prisões arbitrárias, a ocupação… tudo isso dialoga com a nossa realidade”, explica.

Apesar da alegria com a indicação, Rafael se diz cauteloso quanto às chances de o livro avançar à final. “Gostaríamos muito que o livro fosse finalista, até ganhasse. Há muitas razões para isso: a qualidade dos textos, a importância da pauta. Mas sabemos que o lobby sionista é muito forte”, afirma. Ele relembra episódios recentes, como os ataques nas redes sociais contra a participação do historiador israelense antissionista Ilan Pappé na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), como evidência da atuação organizada de setores que buscam silenciar vozes críticas a “israel”.

A crítica à atuação do lobby sionista no Brasil é direta e faz parte da própria análise política que embasa o livro. Para Rafael, o sionismo compreende que a solidariedade internacional é um dos fatores centrais para o desmantelamento do regime de apartheid israelense. “Eles sabem disso. Por isso investem em estratégias ideológicas sofisticadas. Não é só no campo militar que eles atuam. Existe um ‘Domo de Ferro ideológico’, como eu chamo, que busca impedir a solidariedade internacional com o povo palestino.”

Essas estratégias, segundo ele, incluem a difusão de confusões conceituais, como a equiparação entre antissionismo e antissemitismo. “É uma tática poderosa, que se vale do peso histórico do genocídio judeu na Europa para silenciar críticas legítimas ao projeto colonial israelense. Misturam tudo para deslegitimar a resistência e confundir a opinião pública”, argumenta.

Apesar das dificuldades, Rafael acredita que o cenário tem mudado. “A quantidade de pessoas que estão se posicionando tem crescido. Cada vez mais gente passa a fazer uma leitura crítica da narrativa sionista. Talvez estejamos num momento de virada.”

Por isso, o autor insiste que o reconhecimento institucional — como o oferecido pelo Prêmio Jabuti Acadêmico — não é apenas simbólico. Ele pode ser estratégico. “Se mais artistas, mais intelectuais se posicionassem, se mais gente levantasse a bandeira da Palestina, talvez as tentativas de censura fossem constrangidas, enfraquecidas.”

O livro Gaza no Coração é, assim, mais do que uma obra coletiva sobre o sofrimento de um povo. É, segundo seu organizador, uma convocatória. “É um livro que registra a solidariedade do nosso tempo. E que convida quem lê a se posicionar. Porque a Palestina é hoje a pauta que sintetiza todas as outras. É a nossa maior luta.”

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