Com independência, Palestina deixaria de ser refém do gás natural israelense

Reconhecimento da Palestina, especialmente por Estados com grandes empresas petrolíferas registradas em sua jurisdição, encerraria efetivamente a ambiguidade legal, proporcionando à AP não apenas uma nova fonte segura de receita, mas também fornecimento regular de energia independente de "israel"

22/07/2025

Um oleoduto israelense que leva ao Egito foi considerado ilegal por atravessar águas palestinas.

Por Patrick Wintour*

O reconhecimento da Palestina como Estado colocaria fora de dúvida que a Autoridade Palestina (AP) tem direito a desenvolver os recursos de gás natural do campo Gaza Marine, segundo um dos especialistas que trabalhou no projeto atualmente paralisado.

Michael Barron, autor de um novo livro sobre as reservas de gás inexploradas da Palestina, sugeriu que o campo poderia gerar US$ 4 bilhões em receita aos preços atuais, sendo razoável que a AP recebesse US$ 100 milhões por ano durante 15 anos.

Ele afirmou que as receitas “não transformariam os palestinos nos próximos cataris ou singapurenses, mas seriam receitas próprias e não ajuda, da qual a economia palestina continua dependente”.

Os planos para desenvolver o campo têm quase 30 anos de história, período em que controvérsias legais sobre a propriedade travaram a exploração.

Um escritório de advocacia que representa grupos palestinos de direitos humanos enviou uma carta de advertência à empresa italiana estatal ENI, afirmando que ela não deveria explorar os campos de gás em uma área conhecida como Zona G, onde seis licenças foram concedidas pelo Ministério da Energia de Israel.

Na carta, os advogados afirmam que cerca de 62% da zona se encontra em áreas marítimas reivindicadas pela Palestina e, como tal, “Israel não poderia ter concedido validamente quaisquer direitos de exploração e vocês não poderiam tê-los adquirido validamente”.

A Palestina declarou suas fronteiras marítimas, incluindo sua zona econômica exclusiva, ao aderir à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) em 2015, apresentando uma reivindicação detalhada em 2019. Israel não é signatário da UNCLOS.

Barron afirmou que o reconhecimento da Palestina, especialmente por Estados com grandes empresas petrolíferas registradas em sua jurisdição, encerraria efetivamente a ambiguidade legal, proporcionando à AP não apenas uma nova fonte segura de receita, mas também fornecimento regular de energia independente de Israel.

Desde a carta legal, a ENI afirmou a grupos de pressão na Itália que “as licenças ainda não foram emitidas e nenhuma atividade exploratória está em andamento”.

Outro grupo, o Global Witness, afirma que o gasoduto do Leste do Mediterrâneo, que corre paralelo à costa de Gaza, é ilegal, pois atravessa águas palestinas e não gera qualquer receita para a AP.

O gasoduto de 90 km (56 milhas) transporta gás de Ashkelon, em Israel, para Arish, no Egito, onde é processado em gás natural liquefeito para exportação, inclusive para a Europa.

“Os Acordos de Oslo assinados em 1993 claramente concedem à Autoridade Nacional Palestina jurisdição sobre as águas territoriais, o subsolo, poder para legislar sobre exploração de petróleo e gás e conceder licenças para isso”, disse Barron. “O controle sobre os recursos naturais era um elemento importante da agenda de construção do Estado do líder palestino Yasser Arafat. A exploração israelense dos recursos palestinos foi e continua sendo uma parte central do conflito.”

O gás foi descoberto no campo Gaza Marine em 2000, em uma joint venture entre o grupo BG Gas — um gigante privatizado derivado da British Gas — e a empresa palestina Consolidated Contractors Company. O plano era utilizar o gás na única usina de energia da Faixa de Gaza, para pôr fim às recorrentes crises energéticas do território.

Barron argumenta em seu livro — The Gaza Marine Story — que o destino do projeto é um microcosmo da forma como Israel trabalhou para aumentar a dependência palestina em relação a Israel ao mesmo tempo em que tentava separar os palestinos dos israelenses.

 

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O projeto foi prejudicado por questões de viabilidade comercial e por uma decisão da Justiça israelense segundo a qual as águas seriam uma “terra de ninguém”, em parte porque a AP não é uma entidade soberana com poderes inequívocos para conceder licenças.

O tribunal também não resolveu se os direitos às águas territoriais palestinas, claramente previstos nos Acordos de Oslo, incluíam uma “zona econômica exclusiva” palestina, que normalmente se estende por 200 milhas a partir da costa. Os acordos foram concebidos apenas como um arranjo provisório antes da independência plena e, portanto, não delinearam a fronteira marítima completa.

As águas territoriais são normalmente definidas como se estendendo apenas 12 ou 20 milhas a partir da costa, e Israel sempre sustentou que qualquer licença para o Gaza Marine, localizado a 20 milhas da costa de Gaza, deveria ser vista como um presente de Israel à AP, e não como um direito.

Após o Hamas assumir o controle da Faixa de Gaza em 2007, Israel não queria que a receita caísse em suas mãos e, por isso, bloqueou o desenvolvimento, levando o grupo BG a suspender o projeto e, posteriormente, abandoná-lo. Em junho de 2023, Israel aprovou planos para a empresa egípcia EGAS desenvolver o campo, mas logo a guerra em Gaza teve início.

Estima-se que o Gaza Marine contenha apenas 30 bilhões de metros cúbicos (BCM) de gás natural — uma fração dos mais de 1.000 BCM contidos nas águas territoriais israelenses.

Barron argumenta que Israel tem seus próprios suprimentos de gás e, contanto que um Estado palestino com governança unificada seja reconhecido, Israel não terá motivo nem direito legal para impedir a Palestina de explorar seu maior recurso natural.

Toda a controvérsia em torno do investimento do setor privado na ocupação israelense da Palestina reconhecida internacionalmente ganhou destaque com a publicação de um relatório na semana passada da relatora especial da ONU para a Palestina, Francesca Albanese, alertando empresas contra a sustentação do que foi declarado como ocupação ilegal pela Corte Internacional de Justiça (CIJ).

Ela afirma que as decisões da CIJ impõem às empresas uma responsabilidade prima facie “de não se envolverem e/ou se retirarem total e incondicionalmente de quaisquer relações com Israel, e de garantir que qualquer envolvimento com os palestinos permita sua autodeterminação”. Sua afirmação foi rejeitada integralmente por Israel.

* Reportagem publicada em 20/07/2025 pelo The Guardian.

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