Prisioneiros ou reféns do apartheid sionista?

07/02/2025
Por: Mansour Salum

O cessar-fogo entre as forças palestinas de resistência à ocupação e o regime sionista entrou em vigor no dia 19 de janeiro. Porém, até o momento, o regime colonial violou o cessar-fogo dezenas de vezes em Gaza, sob pífia justificativa de “neutralizar potenciais ameaças” ou porque palestinos “desrespeitem os termos do cessar-fogo”, assim compreendida a livre circulação dos refugiados que tentam retornar às suas casas – estes são obrigados a circular apenas onde houver patrulhas ocupantes e de empresas privadas estadunidenses e sionistas, que lhes impõem humilhantes revistas. Ao mesmo tempo, o regime sionista abriu uma nova frente de ataque aos palestinos na Cisjordânia, em Jenin, Tubas e Tulkarem, tendo assassinado 55 palestinos e feito mais de 380 reféns.

Contudo, em todos os veículos de comunicação hegemônicos ocidentais, vemos apenas “notícias” sobre os “‘reféns’ libertados pelo Hamas”. Até quando vamos escutar apenas a narrativa sionista nas grandes mídias, globais e brasileiras?

A cada liberação de apreendidos sionistas, a cobertura midiática ocidental mostra-se prioritária, às raias do absurdo, contando aos quatro ventos as histórias dos “reféns” libertados. Enquanto isso, pouco ou nada se fala sobre os sequestrados palestinos, vulgarmente chamados de “prisioneiros” pelas forças de ocupação. O acordo visa a libertação de 1900 sequestrados palestinos em troca de 33 apreendidos sionistas em 42 dias. Até o momento, foram libertos aproximadamente 400 palestinos, ao mesmo tempo em que foram feitos ao menos 380 novos sequestrados na Cisjordânia. Atualmente, há mais de 10 mil palestinos feitos sequestrados pela ocupação sionista, sendo mais de 3300, ou seja, em torno de 30%, sequestrados por meio das “prisões administrativas”, um recurso colonial, criado pela administração britânica em meados de 1945, para aprisionar sem necessidade de acusação formal qualquer palestino, por um período de até seis meses, após os quais o refém poderá ser julgado por um tribunal militar, ou ter sua “pena” extendida por mais seis meses, sem limite ou previsão de soltura.

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Não são outra coisa além de reféns, sequestrados com o objetivo de injetar medo nos corações dos palestinos e controlar as massas pela repressão injustificada. Muito embora a Anistia Internacional, a Humans Rights Watch e a lei internacional condenem o dispositivo sionista, nada concreto se realiza pelo fim dessa legislação colonial absurda.

Leis absurdas o regime sionista exibe em abundância, e uma das piores trata da possibilidade de “prisão” de crianças a partir de 12 anos. Na última troca de sequestrados por apreendidos, 30 crianças palestinas foram libertas, das mais de 320 reféns da ocupação, sendo que mais de 1. 800 crianças passaram pelas masmorras de concentração e tortura sionistas nos últimos 20 anos. Porém, pouco ou nada se sabe sobre essas crianças, seus nomes, idades e, tampouco, os “crimes” de que foram acusadas, lembrando que neste regime mesmo as crianças podem sofrer prisão administrativa.

No entanto, jamais esqueceremos que a falsa notícia do assassinato de 40 bebês no dia 7 de outubro foi amplamente divulgada por todas as grandes mídias ocidentais, baseadas em um falso testemunho de um colono e militar sionista e transmitido por uma jornalista britânica sem qualquer confirmação. Até hoje há quem acredite nessa narrativa, embora já tenha sido desmentida, assim como a mentira das “crianças assadas em fornos”, outra falsa justificativa para o genocídio de Gaza. Basta abrir uma postagem aleatória sobre a Palestina nas redes e nos deparamos com comentários pró-sionista repetindo estas falsas narrativas e destilando ódio aos palestinos.

A pergunta que não quer calar, no entanto, ainda permanece sem resposta: por que os palestinos feitos reféns nos campos de concentração sionistas são tratados pela mídia ocidenal como “prisioneiros palestinos nas prisões israelenses”? Essas e outras descrições do povo palestino na mídia nacional e estrangeira ocidental nos levam a questionar a desumanização do povo palestino, que é, de fato, o projeto do sionista. O Sistema Globo, em todo seu complexo midiático, constantemente convida apologistas do sionismo aos seus programas, além da pretensiosa entrevista com um suposto filho de um dirigente do Hamas, que teria traído o movimento e ido para os EUA. Mas nunca chamam um representante palestino para debater com figuras apologéticas como André Lasjt, Guga Chacra ou Jorge Pontual. A perspectiva palestina é sempre passada por outras vozes, seguindo o roteiro de defesa flagrante do sionismo, padrão da rede que apoiou diversos golpes de estado no país.

A Rede Record, cujo dono é ninguém menos que o empresário da fé e espécie de encarnação moderna dos vendilhões do templo, o sionista Edir Macedo, é outra rede de massas que apoia abertamente o sionismo, tendo, inclusive, transmitido em horário nobre o fake-documentário apologista da empresa sionista de extrema-direita Brasil Paralelo “Do Rio ao Mar”.

O Grupo SBT, do bilionário sionista Silvio Santos Abravanel e a Rede Bandeirantes, da família sírio-libanesa Saad, também mostraram-se totalmente apologistas do genocídio, assim como os canais pretensamente religiosos e de propriedade de CNPJs empresariais da fé da TV aberta, sob controle de igrejas neopentecostais israelizadas e que ganham fortunas com um pretenso turismo religioso à Terra Santa.

É preciso reconhecer, entretanto, que a Band tem buscado mais equilíbrio, contrabalançando o noticiário hegemônico imposto pelas agências internacionais de notícias, dominadas pela versão sionista, com opiniões críticas, não raro ouvindo vozes palestinas.

Façamos então um recorte para a mídia internacional que opera em solo brasileiro de maior alcance. A CNN, empresa estadunidense de propriedade da Warner Bros, empresa fundada por irmãos de uma família judia polonesa, atua no Brasil sob domínio do bilionário Rubens Menin, que publicamente apoiou o ex-presidente Jair Bolsonaro, sionista convicto, e é grande fã da entidade sionista.

A britânica BCC, por outro lado, é a principal voz do governo britânico (sim, embora não seja uma mídia estatal, a BBC é de propriedade do governo e é financiada pelo mesmo), que desde 1917 é assumidamente sionista, tendo enviado dinheiro, armas e pessoal para atuar no genocídio.

Essas e outras emissoras seguem os ditames de seus países de origem, os quais classificam as organizações palestinas que lutam pela independência da Palestina como grupos terroristas e unilateralizam a narrativa, alegando que o genocídio sionista em Gaza é unicamente uma “guerra” entre o “grupo terrorista Hamas” e o “Estado de Israel”, o qual “tem o direito de se defender”.

Embora tal narrativa seja amplamente falaciosa, as grandes mídias brasileiras reproduzem o discurso que não condiz com o posicionamento oficial do Itamaraty há décadas e que, aliás, não classifica o Hamas e outros grupos armados palestinos como “terroristas”, mesma posição da ONU e de quase toda a Comunidade Internacional. 

Logo, percebe-se claramente o alinhamento ideológico das mídias de massa ocidentais para condicionar o povo brasileiro a apoiar o genocídio e a se preocupar com os “reféns” sionistas, tratados como absolutamente “inocentes”, ao mesmo tempo que os sequestrados palestinos como “prisioneiros” e portanto, culpados de algo. Culpados por resistir!

Pouco ou nada se fala sobre os sequestrados palestinos que serão libertados, mas em seguida extraditados para o exílio, sob acusação de serem uma ameaça aos sionistas, ao falso pretexto de suas manjadas condenações à prisão perpétua. Os sionistas não querem heróis da resistência palestina, importantes membros de todas as tendências e organizações palestinas, de volta às ruas palestinas, aos braços do povo palestino. Afinal,  reféns palestinos civis libertados foram recebidos como heróis por suas famílias e amigos e multidões em festa se formaram para recebê-los.

Pouco ou nada se fala na mídia brasileira sobre a repressão a esses civis que aguardavam seus familiares, assim como sobre a invasão às residências desses civis libertos pela ocupação. Assim como marginalmente se fala das condições desumanas às quais os reféns palestinos são submetidos. Quando vemos os palestinos libertos, não sabemos diferenciá-los dos libertados de Auschwitz pelo Exército Vermelho.

Onde está nas mídias hegemônicas a indignação pelos crimes cometidos contra esses reféns, como a fome, o abuso sexual, a falta de tratamento médico e o estresse pós-traumático, enquanto os reféns sionistas foram libertos em condições boas de saúde, felizes e bem vestidos, humanizados?

Pouco ou nada se fala de Marwan Barghouti, a maior esperança para suceder Mahmoud Abbas e liderar o povo palestino enquanto figura unificadora. Se este for finalmente libertado, será provavelmente exilado e retratado como “terrorista”, o que já acontece nas grandes mídias. Apenas nas excelentes mídias contra-hegemônicas, comprometidas com o povo palestino, retratam a verdadeira face do sionismo, revelada justamente pela tenacidade palestina frente à ocupação e sua ação genocidária em curso.

Diante desse quadro quimérico da retratação dos reféns palestinos pelas mídias ocidentais pró-sionismo e o foco absurdo nas vidas e pós-vidas dos apreendidos sionistas, percebe-se a importância da mídia independente e alternativa, do boicote às grandes empresas de comunicação que, além de apoiar, às vezes velada, às vezes explicitamente o sionismo, ainda o financiam. Os sequestrados palestinos importam, assim como importavam os reféns sul-africanos raptados por sua luta anti-apartheid. Se faz necessária a vigília constante do sionismo, pois até que a última parte do cessar-fogo em Gaza seja cumprida, não temos segurança de que as hostilidades da ocupação cessarão, e temos o dever de denunciar a violência sobre a Cisjordânia, agora sob uma dos mais brutais investidas sionistas desde 1967, sem perspectiva de que se finde tão cedo. Nosso papel de denunciadores do genocídio e de seus apologistas nunca se fez tão necessário e moralmente obrigatório. Seguimos orando e vigiando por nossos irmãos palestinos, libaneses, sírios, iemenitas, iranianos e iraquianos.

Mansour Salum é acadêmico de Odontologia-UFSC, secretário da Frente Palestina Livre de Santa Catarina, secretário de relações com os movimentos sociais da FEPAL e coordenador da Rede Nacional de Estudantes em Apoio à Palestina (RNEAP)