A máquina de guerra de Israel virou um grande negócio financiado pelo Brasil

Empresas Israelenses estão entrando no Brasil, recebendo recurso públicos, operando sistemas de segurança pública em áreas estratégicas e fazendo vultosos negócios no país.

15/03/2024

Circulou recentemente, nas mídias sociais o protesto de um jovem engenheiro de software da Google Cloud, na conferência MindTheTech em Nova York, nos EUA, em 04/03, durante a fala do diretor do Google Israel, Barak Regev, que fazia uma exposição sobre o Projeto Nimbus, uma plataforma baseada na tecnologia de monitoramento.

“Eu me recuso a construir tecnologia que alimenta o Apartheid. Não a Cloud para o Apartheid. Não a tecnologia para o Apartheid. Palestina livre!”, bradou o engenheiro. Link: https://twitter.com/i/status/1764681078206337434

Momentos depois uma outra engenheira do Google, integrante da organização antissionista israelense Shoresh e Jewish Voices for Peace, gritou: “Google é cúmplice do genocídio”. Ela acaba sendo empurrada e jogada ao chão por seguranças, que a retiraram à força do salão. O Google também é um dos principais patrocinadores da conferência MindTheTech. Link: https://twitter.com/i/status/1764688253192417325

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A ação foi organizada pelo coletivo “Não à Tecnologia para o Apartheid”, que inclui trabalhadores do Google e da Amazon. Logo depois foi divulgada uma carta assinada por 600 funcionários do Google que pediram a retirada do patrocínio à conferência. A carta de convocação dizia: “Por favor, retire-se da Mind the Tech, peça desculpas e apoie os funcionários e clientes do Google que se sentem desamparados diante das perdas em Gaza. Precisamos que o Google faça melhor”.

O Projeto Nimbus visa fornecer tecnologia de computação em nuvem ao governo e ao exército israelense. A tecnologia foi anunciada pelo Ministério das Finanças de Israel em abril de 2021. Foi relatado que o contrato firmado com Google e Amazon “visa fornecer tecnologia de computação em nuvem ao governo, à estrutura de defesa do país e às outras instituições oficiais”. No âmbito do contrato, foi declarado que as empresas estabeleceriam sites de computação em nuvem que “criariam fluxo de informações dentro das fronteiras de Israel no âmbito de instruções estritas de segurança”.

Assim, Google e Amazon fornecerão serviços de computação em nuvem ao governo israelense, incluindo inteligência abrangente e identificação com inteligência artificial, num projeto de 1,2 bilhões de dólares. Pelo acordo, Amazon e Google estão proibidos de interromper seus serviços em caso de pressão por boicote. O acordo também proíbe que as empresas recusem o fornecimento de serviços a qualquer entidade governamental israelense, segundo informa o site turco Solözel.

No último dia 08/03, o Google anunciou a demissão do engenheiro que protestou durante a fala do diretor israelense, Barak Regev.

 

EUA e Israel, uma parceria carnal

A expertise de startups israelenses na área de cibersegurança ganhou fama pelo mundo a partir do conhecimento adquirido pelo processo de ocupação dos territórios palestinos, com toda sua metodologia de violência e controle social sobre as populações na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. São os jovens que prestaram serviço militar para Israel, especialmente nos territórios palestinos ocupados, os que empreendem negócios na área de tecnologia da informação.

Ouvido por esta reportagem, o professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Bruno Hubermann falou sobre como foi construída relação “simbiótica” entre EUA e Israel no desenvolvimento de inovações tecnológicas militares.

“O setor de tecnologia e inovação para uso civil em Israel surge a partir do desenvolvimento tecnológico para uso militar. A partir dos anos 1980, com a ascensão do neoliberalismo, há o crescimento da influência americana em Israel. E no processo de reformas estruturais, sob pressão dos EUA, com assinatura de acordo de livre-comércio entre os dois países, há uma privatização de empresas militares estatais de diversos setores e com o passar do tempo, a partir dos anos 1990, acontece em Tel Aviv o desenvolvimento do ‘Wadi Valley’, (um similar do Vale do Silício – famoso polo de inovação tecnológica da Califórnia), onde ocorre um boom desse segmento que vai ter uso para diversas aplicações, sendo um dos motores econômicos de Israel. Daí há um entrelaçamento da tecnologia militar com a civil, partindo de empresas e universidades, contando com um forte apoio do capital americano oriundo da Califórnia. Essa relação se retroalimenta, (porque) no Vale do Silício há também uma grande quantidade de empresas israelenses, com milhares de programadores e empresários de Israel.”, explica  Bruno Huberman.

O docente disse ainda que Israel possui a segunda maior quantidade de empresas na bolsa de valores de tecnologia dos EUA, a Nasdaq. Segundo dados do Departamento de Estado dos EUA, esse número, em 2023, chegou a 135. Segundo o Departamento de Estado, foram mensurados mais de 300 centros de investigação e desenvolvimento instalados em Israel, sendo quase dois terços de empresas multinacionais instaladas no país.

 

A incubadora da vigilância global

Muita gente não deve saber que alguns aplicativos de geolocalização utilizados no nosso dia a dia nas ruas brasileiras, como o Waze, foram criado por um ex-soldado, Uri Levine, um desenvolvedor de programas que atuou no serviço militar na Unit 8200 – SIGINT National Unit (ISNU), a maior unidade dentro das Forças de Ocupação (israelense na Palestina ocupada). Essa unidade monitora e coleta informações relacionadas à inteligência militar em televisão, rádio, jornais e internet.

Em 2008, depois de se liberar do exército, Uri Levine criou, com outros sócios, o aplicativo de trânsito mais utilizado por motoristas. Cinco anos depois, o Waze foi vendido ao Google por mais de 1 bilhão de dólares.

A Unidade 8200 é responsável por captar informações e decifrar códigos militares por meio da interceptação de sinais, conversas telefônicas, correios eletrônicos e outros tipos de mensagens. Ela é conhecida por recrutar os jovens “brilhantes” do país.

Segundo o jornalista francês Baptiste Condominas, em reportagem publicada pela RFI, em março de 2023, o número de empresas de segurança cibernética ativas em Israel aumentou, entre 2011 e 2021, de 162 para 459. As exportações israelenses neste setor atingiram US$ 11 bilhões em 2021, segundo a Direção Nacional Cibernética de Israel. Estes números mostram como esse setor se expande. Assim, em poucos anos, Israel se tornou uma “nação cibernética”. Empresas como Check Point, Argus, Verint e NSO, para citar apenas algumas, que vendem softwares espiões como FirstMile e Pegasus, entre os mais conhecidos, são parte disso, enquanto algumas startups surgem como “unicórnios cibernéticos”, jovens empresas que valem mais de um bilhão de dólares.

 

Cooptação de “mentes brilhantes” em universidades brasileiras

Diversas universidades brasileiras desenvolvem parcerias e convênios com instituições de Israel no desenvolvimento de projetos de cibersegurança, tendo como base o know how de guerra e perseguição contra os palestinos.

A partir de 2022, o Hub de Inovação Paulo Cunha, um núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do Instituto de Ensino e Pesquisa Insper, de São Paulo, começou a promover o que chama de Learning Journey, uma espécie de intercambio de imersão, que integra o curso MBA Executivo Internacional desta instituição de ensino superior. Durante cinco dias, um grupo de alunos, ex-alunos e executivos de empresas parceiras faz uma imersão em lugares-chave do ecossistema de inovação de Israel, em cidades como Tel Aviv, Jerusalém, Haifa e Berseba. Segundo informa o Insper, em seu site, o objetivo é trazer na bagagem ideias e “boas práticas” para melhorar o ecossistema brasileiro de inovação. Em 2024, o Insper suspendeu a viagem por causa do genocídio empreendido por Israel contra a população palestina em Gaza (não por repudiá-lo, mas pelos perigos que a guerra provoca).

Todo cidadão israelense maior de 18 anos, com algumas exceções, deve servir nas Forças de Defesa do país por um período mínimo de 24 meses (mulheres) a 32 meses (homens).

Em uma reportagem publicada no site do Insper, em agosto de 2022, Rodrigo Amantea, professor da instituição, diz que período de serviço militar obrigatório funciona como um rito de passagem para o amadurecimento dos jovens. “Quando termina o colégio, o jovem israelense vai para o Exército, onde vai conviver com pessoas de classes e etnias diferentes e desenvolver habilidades importantes, como disciplina, liderança e autogestão”, diz. “Depois disso, muita gente ainda tira um ano sabático e viaja pelo mundo como mochileiro. Então, quando essa pessoa chega à universidade, já está calejada e com uma vivência que a gente não vê entre os jovens no Brasil.”, afirma, já indicando uma certa “superioridade” dos israelenses em relação aos jovens brasileiros e, ainda que tacitamente, reconhecendo o vínculo direto que há entre estas tecnologias e a ocupação colonial da Palestina e o regime de apartheid israelense sobre o povo palestino, porém apresentando-o em linguagem que permite vê-lo como benigno.

 

Ibmec saindo à francesa

Outra instituição de ensino superior privado no Brasil, o Ibmec, também promovia, com instituições israelenses, imersões em Israel. Em 2019, o Ibmec ofereceu um programa de sete dias de duração, entre cursos, visitas a empresas e visitas culturais e históricas, no valor de 3.600 dólares, não incluindo passagem aérea, acomodação e seguro-viagem. A parceria é com a Universidade de Tel Aviv.

Após o 7/10/23, os professores do Ibmec do Rio de Janeiro receberam mensagens da coordenação dos cursos da instituição pedindo para que o corpo docente não se posicione publicamente sobre o conflito entre Palestina e Israel. A instituição tirou do ar páginas do seu site que contenham informações sobre a Jornada para Israel.

Em julho de 2019, o site Estudar Fora publicava uma reportagem em que informava que a Universidade de Tel Aviv oferecia, em seus programas de graduação, bolsas de estudos exclusivas para brasileiros, financiadas por um fundo chamado Brazilian Scholarship Fund (BSF), criado pela organização Amigos Brasileiros da Universidade de Tel Aviv.

 

USP mantém parcerias

Em março de 2019, o então reitor da USP Vahan Agopyan chefiava uma missão acadêmica em Israel. A primeira visita foi realizada ao Instituto Weizmann de Ciências, em Tel Aviv, onde os dirigentes da USP foram recebidos pelo presidente da instituição, Daniel Zajfman. O objetivo do encontro foi discutir estratégias para ampliar a mobilidade acadêmica e os projetos de pesquisa conjuntos.

Até 2019, segundo dados da Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani), pesquisadores das duas instituições produziram 671 trabalhos em parceria.

Ao jornal da USP, Agopyan declarou: “Nossas missões têm como principal propósito reforçar a cooperação acadêmica com instituições estratégicas. No caso específico de Israel, este é um dos países do mundo que mais investem em inovação, e suas universidades e institutos se destacam pelo desenvolvimento de pesquisas na fronteira do conhecimento”.

 

Feirão cancelado em 2023

Em marco de 2023, as Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL) pediu à direção da Unicamp o cancelamento da “Feira das Universidades Israelenses” porque sua realização no campus da universidade implicaria em sua “adesão ao Apartheid na Palestina”. A feira, com apenas um dia de duração, tinha previsão para ser realizada em 03/04/23, nas dependências da Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (COMVESP – UNICAMP), reunindo as universidades Bar Ilan, de Haifa, de Tel Aviv, Hebraica de Jerusalém e Technion.

O documento encaminhado citou dos trabalhos dos relatores especiais da ONU para a Palestina Michal Lynk, Richard Falk e John Dugard, que descreveram as práticas de Israel como um sistema de Apartheid, aos relatórios mais recentes da Comissão (das Nações Unidas) Econômica e Social para a Ásia Ocidental e das principais ONGs internacionais de direitos humanos, todos identificando um regime de Apartheid sobre o povo palestino.

A carta enviada pela FEPAL pedia o cancelamento da feira, sob pena de a UNICAMP “ficar para a história como uma universidade que um dia apoiou o regime de Apartheid de Israel”.

A feira chegou a ser realizada, mas foi suspensa após manifestação de protesto no local.

 

Bolsonaro assina acordos com Israel

Em março de 2019, o então presidente da República Jair Bolsonaro assinou, quando em visita oficial a Israel, com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, uma série de acordos de cooperação. Na ocasião, ambos saudaram a assinatura do Acordo de Cooperação em Ciência e Tecnologia. Neste contexto, celebraram o lançamento de duas chamadas conjuntas da FINEP e da EMBRAPII com a Autoridade Israelense de Inovação.

No mês de julho de 2019 é lançado o programa Scale Up in Brazil com o objetivo de acelerar o ingresso das empresas de tecnologia israelense no país, contando com apoios da Câmara Brasil-Israel de Comércio e Indústria, da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), da ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity &: Venture Capital) e Israel Trade & Investment.

Para o jornalista e professor de Relações Internacionais Bruno Beaklini, o que Bolsonaro tentou realizar junto ao gabinete de Netanyahu foi “instalar no país um setor de contratos exclusivos, o início de um cluster, onde o estado sionista provê os softwares espiões e o Brasil opera mirando o inimigo interno e garantindo linhas de financiamentos”. Desta forma, segundo o também cientista político e colunista do Monitor do Oriente Médio, “os altos comandos militares, já habituados com a subserviência junto ao Comando Sul dos EUA, seria uma extensão do complexo de segurança militar israelense, com lealdades diretas com os executores do Apartheid, ultrapassando a dependência junto ao trumpismo ou a troca de governo em Washington”.

A Apex-Brasil é uma agência do governo federal criada em 2003, que, em tese, atua para promover os produtos e serviços brasileiros no exterior e atrair investimentos estrangeiros para setores estratégicos. A Agência apoia atualmente mais de 15 mil empresas em 80 setores da economia brasileira. Também já atendeu mais de 1.300 investidores e mais de 118 projetos, no valor de US$ 23 bilhões em investimentos anunciados no Brasil. Já a IsraelTrade & Investiment integra a Administração Estrangeira do Ministério da Economia de Israel – uma rede de mais de 50 escritórios ao redor do mundo.

A FINEP, em janeiro de 2019, lançou uma Chamada Pública com objetivo específico de selecionar, para apoio com recursos de subvenção econômica, projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação industrial de empresas brasileiras que tenham estabelecido parceria com empresas israelenses no âmbito do Acordo entre Finep e Autoridade Nacional de Inovação Tecnológica do Estado de Israel (IIA). Isso mesmo: o Estado brasileiro financia empresas israelenses em negócios no Brasil! Foram beneficiadas duas empresas, que estão recebendo quase 1,7 milhões de reais.

A chamada selecionou quatro empresas, duas brasileiras e duas israelenses, que atuam em parceria para os seguintes projetos:

Título do Projeto Empresa brasileira Empresa israelense Tema do Edital Valor Solicitado à Finep (R$)
System for digital printing on fabricated shaped aerosols Brasilata Embalagens Metálicas S/A Velox Pure Digital Ltd. . Equipamentos elétricos, eletrônicos e nanotecnologia 999.300,00
Advanced Drone Threats Detection and Mitigation Applied to Defense and Security with Enhanced Notification Capabilities Neger Tecnologia e Sistemas Ltda. Airfense Solutions Ltd. Indústria aeroespacial e automotiva 700.000,00
Total 1.699.300,00

 

O fato é que empresas de Israel estão entrando no Brasil, recebendo recurso públicos, operando sistemas de segurança pública em áreas estratégicas, fazendo vultosos negócios no país e, sobretudo, arregimentando mentes brasileiras. Assim, o Brasil, direta e indiretamente acaba por financiar, com dinheiro do contribuinte brasileiro, o genocídio na Palestina.

Reportagem por André Lobão.

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