Forjando uma nova existência: O Impacto Positivo da Diáspora Palestina em seus países anfitriões

21/10/2020
Por: Hyatt Omar

Um país doador é um país que fornece ajuda a outros países. Isso pode ocorrer direta ou indiretamente. A Palestina foi um país doador quando forneceu diretamente aos países do Oriente Médio e além, recursos humanos qualificados e capital após a catástrofe de 1948. Mas seu impacto também está sendo sentido indiretamente sempre que uma presença palestina significativa ajuda a criar capital material e fornece capital financeiro e humano que apóia o desenvolvimento social e econômico em seus países anfitriões.

Após a Nakba de 1948, mais de 700.000 palestinos foram forçados a deixar suas casas e se tornaram refugiados. Nessa situação horrível, os palestinos optaram pela alternativa mais sábia e investiram em sua inteligência como forma de sobreviver e dizer ao mundo que a Palestina ainda está viva, vibrante, dentro de cada pessoa que carrega sangue palestino, não importa se essa pessoa é a primeira geração palestinos, segunda, terceira ou quarta geração. Sim, os palestinos têm uma história trágica. Mas a verdade é que eles sobreviveram, e seu triunfo humano sobre sua tragédia é um testemunho de sua resiliência e dinamismo. A Palestina não é apenas guerra, desastre e perda; trata-se também de superar adversidades e se destacar no empoderamento das novas gerações, educando-as.

Há um reconhecimento geral, mas talvez insuficiente, do fato de que os palestinos investem pesadamente na própria educação e na de seus filhos, sabendo muito bem que esse capital não pode ser roubado ou negado, e seus retornos são belos e frutíferos. Por trás de cada imigrante e de cada sotaque diferente, há um sinal de coragem, o testemunho de alguém corajoso o suficiente para deixar para trás tudo o que conheceu para seguir o chamado do desconhecido. A maioria dessas pessoas migrou para um país onde não eram capazes de entender, falar ou ler o idioma ou compreender a cultura local. Mesmo assim, foi um sacrifício que valia a pena fazer para proporcionar um futuro melhor para suas famílias. Os palestinos foram forçados a deixar suas casas e tiveram que trabalhar duas vezes mais que os outros para construir novas vidas.

Hoje em dia, tendo suportado sofrimento e se empenhado em trabalho árduo, os palestinos são capazes não apenas de causar um impacto positivo em seus países anfitriões, mas também de criar empregos e ajudar outras pessoas. Eles sabem muito bem o que significa miséria e o que é necessário para sobreviver e ter sucesso.

Os palestinos não são apenas cidadãos de outros países, mas também empresários, médicos, engenheiros, professores e muito mais. A Palestina é um país doador porque seus cidadãos estão acumulando aspectos materiais e recursos humanos. A Palestina doa diariamente o trabalho de seu próprio povo para ajudar a melhorar outros países de todas as maneiras possíveis. Portanto, sim, a Palestina deu ao mundo os frutos do trabalho e da criatividade de seu povo. Além disso, com toda a modéstia, a Palestina contribuiu muito mais para os outros do que o que o mundo investiu nos palestinos. Isso não significa negar a ajuda generosa das Nações Unidas e dos países doadores; visa meramente declarar que os palestinos contribuíram com seu quinhão e mais em uma situação de dar e receber.

Em Pelotas, Brasil, cidade com cerca de 300 mil habitantes, onde nasci, a liderança do comércio está concentrada nas mãos de três famílias que vieram de Jelejlia, na Palestina, e se mudaram para o Brasil no início dos anos 1970. Eles eram adolescentes e ainda não haviam concluído o ensino médio. Mas eles trabalharam arduamente como funcionários de outros após sua chegada e reuniram algum capital para investir e criar seus próprios pequenos negócios. Um deles é dono de uma das principais lojas de departamentos do estado, que hoje gera mais de 1.200 empregos, o que significa renda para sustentar cerca de 5.000 pessoas. Muitos outros palestinos estão fazendo o mesmo em outras cidades do Brasil, oferecendo emprego e apoio a milhares de famílias. Nesse sentido, podemos dizer que a Palestina, por meio de seu povo, é um país doador de forma indireta.

O Dia da Terra, data que simboliza a luta do povo palestino por seus lares e sua pátria, é comemorado em 30 de março por todas as diásporas

Outro exemplo é a pequena cidade de Santa Maria, localizada no sul do Brasil, com uma população de 280 mil habitantes. Cinco jovens palestinos migraram da Palestina para lá no final dos anos 1950 e início dos 1960 e começaram suas famílias. Como outras famílias palestinas, onde quer que estejam, elas tentam primeiro encontrar uma maneira de ganhar a vida e depois fazem todo o possível para oferecer educação aos filhos. Essas cinco famílias puderam acumular capital humano para a cidade e país de acolhimento. Três membros da primeira família são doutores em diversas áreas do conhecimento e dois são médicos. A segunda família tem dois graduados universitários, um dos quais é doutor em engenharia e atua como professor universitário. A terceira família também tem um médico, e a quarta também tem um filho que é doutor em engenharia e leciona como professor da universidade, atuando como presidente do sindicato dos professores e participando ativamente de movimentos políticos. A quinta família tem dois dentistas.

Não conheço nenhuma família palestina no Brasil que não tenha pelo menos um ou dois universitários. Assim, enquanto os palestinos valorizam o ambiente acolhedor e as oportunidades lhes criadas em seus países anfitriões, eles também contribuem para o desenvolvimento e crescimento desses países, sendo membros ativos e bons cidadãos como forma de expressar sua gratidão.

A interação e relação entre os palestinos na diáspora e aqueles em seu país de origem precisam de mais atenção. Porque a população palestina na diáspora é mais numerosa agora do que na Palestina. Devemos trabalhar intensamente com as novas gerações, prepará-las em uma base objetiva e científica, para que possam se engajar e debater a questão da Palestina com governos, organizações não governamentais e instituições da sociedade civil nos países anfitriões.

Muitas instituições palestinas foram estabelecidas na América Latina, principalmente na forma de clubes sociais. Em julho de 1984, a COPLAC (Confederação de Entidades Palestinas na América Latina e Caribe) foi fundada por meio do esforço conjunto da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL) e do Clube Palestino de Santiago do Chile. A COPLAC é uma instituição da sociedade civil, apartidária, sem referência a convicções religiosas, filosóficas ou econômicas específicas. O papel da COPLAC é estimular e coordenar as comunidades palestinas, desenvolver atividades políticas, sociais e econômicas para defender a causa nacional palestina, bem como seus próprios interesses como cidadãos de seus países anfitriões.

O Brasil, juntamente do Chile, é um dos países da América do Sul que mais concentra palestinos em diáspora

Ao mesmo tempo, um grupo de jovens palestinos criou o Sanaúd no Brasil e em muitos outros países da América Latina. O objetivo da organização é conscientizar sobre a questão palestina, fortalecer as relações dos jovens com sua terra natal e buscar justiça frente aos crimes contra a humanidade que eles próprios sofreram e que seus irmãos e irmãs ainda sofrem sob ocupação. Sanaúd desempenhou um papel importante na conexão da juventude de origem palestina em cada estado do Brasil e em toda a América Latina.

Desenvolvimentos políticos após os Acordos de Oslo, no entanto, afetaram negativamente o desempenho da organização. No décimo congresso da FEPAL, em 2019, o movimento começou a se reorganizar e se reanimar, caminhando na direção certa para voltar a cumprir seus objetivos. Ainda assim, vários obstáculos se colocam no caminho porque muitos jovens carecem de conhecimento sólido ou informações bem fundamentadas sobre a causa palestina.

A barreira do idioma costuma ser outro grande problema. A maioria dos livros e artigos sobre a Palestina não está disponíveis em português ou espanhol, exigindo que esses jovens descendentes aprendam um novo idioma para se educarem. E um dos principais problemas é a falta de interação entre os jovens da diáspora e os da terra natal. Muitos já visitaram a Palestina com suas famílias, mas isso não é suficiente. Eles precisam do que é chamado de turismo politicamente guiado, com pessoas experientes que possam acompanhar sua visita e explicar em detalhes todos os aspectos da história palestina, especialmente a Nakba, assim como a cultura local e o tecido social da sociedade palestina. Com certeza, seus pais e avós transmitiram aspectos históricas e histórias pessoais, assim como a realidade da Palestina, mas esse conhecimento permanece superficial e carece da profundidade e do rigor da análise científica.

É necessária uma instituição bem organizada na Palestina que mantenha contato direto e constante com os jovens da diáspora. Esta instituição deve ser uma das principais e mais importantes instituições da Palestina, dotada de pessoas competentes que entendam e saibam alcançar e dialogar com as gerações que nasceram fora da Palestina, conscientes também de seus respectivos países e culturas. Nossos jovens são o futuro não apenas do país anfitrião, mas também da Palestina. Portanto, precisam se educar e se preparar para a realidade que enfrentarão para sempre, pois a causa palestina é responsabilidade de todos.

Participantes do Congresso Sanaud no Brasil. Sanaud tem como objetivo conectar os jovens com a herança palestina em vários países sul-americanos com seu país de origem

Os palestinos imigraram para a América Latina com pouco capital, conhecimento limitado das línguas desses países e com a maioria deles tendo concluído apenas o ensino fundamental. Eles fizeram um ótimo trabalho na construção de capital humano e material sólido. Embora tenham trabalhado arduamente e dentro de sua capacidade para construir instituições sociais e civis, ainda há necessidade de consolidar e empoderar essas instituições por meio de um sólido trabalho profissional e voluntário.

Finalmente, gostaria de levantar a necessidade de desenvolvermos estatísticas e estudos precisos sobre os imigrantes palestinos e seus descendentes nas Américas e na Europa, porque a maioria dos números e narrativas publicados são meras estimativas. A falta de informações reais leva a conclusões subjetivas. Portanto, esses estudos devem ser o primeiro passo para obtermos um melhor conhecimento da diáspora palestina e sua contribuição para os países anfitriões e como eles podem contribuir para a Palestina e a causa palestina.

Texto traduzido do site This Week in Palestine.

Hyatt Omar é ativista pela causa palestina. Nascida em Pelotas, Brasil, filha de pais palestinos, tem 22 anos e é aluna do terceiro ano do curso de psicologia da York University, Toronto, Canadá. Atualmente, ela é membro do Juventude Sanaúd, no Brasil, e da Fundação Profissional Palestina Canadense.