O “matadouro” sionista de reputações para livrar Israel da condenação por seus crimes

08/03/2023
Por: Tufy Kairuz

“Escolha seus inimigos com muito cuidado porque eles irão lhe definir. Torne-os interessantes porque, de certa forma, eles também se importam com você. Eles não estavam lá quando você começou, mas estarão lá quando sua história terminar e você perceber que passou mais tempo com eles do que passou com seus amigos.”
Cedros do Líbano (Cedars of Lebanon) – U2

“Ó hipócritas, são esses os seus truques para assassinar seres humanos dando graças a Deus? Desistam por vergonha, não prossigam. Pois Deus não aceitará a gratidão de assassinos.”
Robert Burns (Poema feito para o “Dia de Ação de Graças”)

A propósito do texto de Charles Mady, professor da Faculdade de Medicina da USP, minha contribuição. O texto comete alguns “pecados mortais” no mundo muito particular da “sionismoesfera”, pois se apropria da semântica do nazismo para tecer paralelos com o sionismo. Isto, para os sionistas e sua plateia imensa de alienados, incautos e progressistas hipócritas é algo inadmissível.

O extermínio do “outro” é algo que acompanha a humanidade desde o hipotético extermínio dos Neandertais pelo Homo Sapiens, há 40.000 anos, e até os extermínios reais e, na maior parte, fantasiosos, de alguns textos sagrados.  Galileu já advertia o Cardeal Baronius que a Bíblia talvez ensinasse o caminho PARA o Céu, mas não explicava os caminhos DO Céu. Quase 400 anos depois, a “Inquisição” sionista consegue ressuscitar (sem milagre desta vez) narrativas, na melhor das hipóteses simbólicas e de forma a-histórica, como se fossem tratados geopolíticos que decidem os destinos de povos em pleno século XX.  No entanto, nem todos os genocídios são iguais. O que os diferencia é a identidade da vítima e a de seus protetores. O algoz é uma nota de rodapé.

Sendo assim, Charles Mady “violou” as regras “sagradas” de uma ideologia secular chamada “sionismo” (a contradição não é responsabilidade minha). É como se os sionistas nos dissessem: “vocês que criem sua própria narrativa de vitimização, se puderem!”. É justo. Afinal, os sionistas e seus aliados tiveram um trabalho enorme, com custos astronômicos, para fazer de sua vitimização histórica de europeus judeus por outros europeus uma combinação de “Domo de Ferro” e “arma de destruição em massa” contra os críticos do sionismo. Quem quiser que tente fazer algo parecido com o “estado das artes” do monopólio do sofrimento sionista.

Afinal, convenhamos, como rebater narrativas engendradas, na sua origem, a partir dos preconceitos inventados por seus rivais e, depois algozes, cristãos, através dos séculos?  Os sionistas, aos que os acusam de maquiavelismo em suas narrativas, simplesmente poderiam mandar seus críticos e vítimas reclamar com seus inventores. Estes criadores de mitos xenofóbicos formariam um grupo seleto e eclético que incluiria os primeiros líderes da Igreja Católica, ainda na Antiguidade, os evangélicos da igreja reformada na Inglaterra, no século XVIII, nacionalistas europeus, no século XIX e, finalmente, os nazistas alemães no século XX. Um time de peso, sem dúvida.

Uma coisa é certa para católicos e protestantes, que se mataram, por séculos, na Europa, como parte do seu peculiar “processo civilizatório”, algo os unia: o proselitismo fanático e a ideia de uma Europa – e depois suas colônias – livres de não-cristãos. Se os católicos inventaram, em um passado distante, a “diáspora” judaica, o “exílio” judaico e o “judeu errante”, os protestantes inventaram o sionismo cristão e o “retorno” dos europeus judeus para a Terra Santa para, quem sabe, convertê-los à “verdadeira fé” no momento oportuno. Uma espécie de “Batalha de Itararé” que nunca ocorreu ou o retorno à Palestina dos que nunca lá estiveram.

O mais interessante é que tanto católicos como protestantes tinham em comum a judeufobia, aliás, algo que também unia tipos antagônicos, no tempo e espaço, como o Bispo Cirilo de Alexandria, no séc. V, e Martinho Lutero, no séc. XVI. Porém, a fobia sectária europeia aos não-cristãos no continente, nas pegadas do secularismo, se estende também aos não-brancos nas colônias europeias no ultramar.

Mas como esse passado, que, certamente, os sionistas têm lá sua própria versão terraplanista, se relaciona com o artigo de Charles Mady? Como diria o “Saladino” de Ridley Scott, quando perguntado, por “Balian de Ibelin”, sobre qual era o significado da cidade cananeia “Urusalem”, também conhecida como “Jerusalém”, após a rendição daquela aos seus legítimos donos, respondeu: “Nada e tudo!”. Pois então, o passado é “nada e tudo” para o sionismo! “Nada” pela manipulação criminosa de um passado de lendas da Idade do Bronze e “tudo” pelos acontecimentos bem reais, no Ocidente, no século XX, perpetrado por europeus contra outros europeus.

A solução para a judeufobia ocidental foi solucionada por meio de uma solução “fácil” e conveniente, para vítimas e algozes. Pois se livrar de uma minoria considerada inassimilável, tanto pelo cristianismo fanático quanto para o nacionalismo radical (o novo credo europeu), era um sonho antigo que seria solucionado pelo “gênio” europeu (seja cristão ou judeu) criando uma colônia de proxies para o Ocidente manter o controle sobre os nativos naquelas regiões, que ambicionavam desde da 1ª Cruzada. Ora, não foi por acaso que Sir Allenby, general britânico, após a conquista de Jerusalém na I Guerra Mundial dos otomanos, teria dito às portas da cidade: “agora, as Cruzadas finalmente terminaram.”.

Certamente, os imperialistas, na Europa, cristãos ou judeus, nem sequer pensavam em se livrar dos Rothschilds, Montefiores, Disraelis, Wittgensteins, Einsteins, Freuds, Curies, entre tantos outros que formavam a nata do establishment europeu. Os “buchas de canhão” seriam recrutados pelos sionistas e financiados pelos banqueiros entre as hordas de eslavos judeus, comumente caçados nos pogroms czaristas e muitos deles militantes de movimentos radicais de esquerda considerados indesejáveis pela elite política europeia. Os primeiros, presas fáceis do sionismo pelo desespero, e os últimos dispostos a criar o paraíso socialista em terras “vazias” ou habitadas por súditos de “déspotas orientais”, como dizia Marx, o que para eles dava no mesmo, pois os palestinos que atrapalhavam a criação do seu Xangri-lá “igualitário” e coletivo eram invisíveis.

O holocausto euro-judeu, portanto, pode ser visto como resultado de séculos de supremacismo, excepcionalismo e fanatismo dentro da Europa e exportado para o resto do mundo pelos europeus, fossem estes vítimas ou algozes. Em outras palavras, os europeus vítimas de racismo também eram racistas, como está definitivamente provado na Palestina. Além disso, o sionismo, instrumentalizando o holocausto euro-judeu, cometeu seu crime mais atroz, pois a lembrança do genocídio nazista se relaciona menos com o fato em si e muito mais com a “licença para matar” palestinos, sem data para expirar. Os “museus do holocausto”, portanto, refletem o fenômeno da banalização ou “mcdonaldização” do sofrimento de uns em prol de um estelionato geopolítico para eliminar outros.

É, meu caro Charles, os palestinos, porém, não são as únicas vítimas da ideologia totalitarista mais-que-perfeita do sionismo. Seus críticos, incluindo os judeus não-sionistas, ao redor do mundo, também são. O primeiro golpe, muitas vezes “mortal”, é desfechado rotulando quem ousa criticá-los de “antissemita”. O termo, como todo resto da arenga sionista, é falacioso e tem origem na tentativa (outra!) de pseudocientistas do cristianismo reformado, da chamada escola Göttingen de historiografia, de alterizar os europeus judeus e outros povos “orientais” por meio de uma classificação linguística. O que os sionistas mais tarde fazem para justificar seus projetos, se baseando em uma teoria racista criada para discriminá-los? “Ok, somos ‘semitas’ e por isso vocês, cristãos, brancos e ‘arianos’ vão nos apoiar em nossos projetos coloniais na Palestina.”.

Pois bem, assim como membros “ilustres” de uma escola de historiadores de língua alemã, no século XVIII, racista, anacrônica e, pasmem, com pretensões Iluministas, inventaram o “semita” (termo obviamente inspirado na formação fanática de seus criadores), o termo “antissemita” foi inventado, no século seguinte, em discussões intelectuais (entre europeus judeus e cristãos) que transformaram um classificação linguística de gosto duvidoso em categoria racial, em um clima de xenofobia nacionalista e sob o manto da pseudociência.  É neste contexto que surge o sionismo europeu judeu, que, como de hábito, ardilosamente usa a judeofobia europeia, gestada por gerações que viveram a lavagem cerebral em escolas dominicais, para catapultar seus projetos tipicamente europeus na concepção e na execução, isto é, colonialismo, imperialismo, excepcionalismo e racismo.

Tudo que até aqui foi mencionado apenas confirma aquilo que Herr Theodore Herzl, o fundador do sionismo europeu judeu, didaticamente ensinava aos seus pares: “os antissemitas serão nossos amigos mais leais”, ou, numa leitura atualizada, “as nações antissemitas serão nossas aliadas”. Se ele fosse religioso, eu arriscaria dizer: “profético, não?”. O que nos leva a refletir que então aqueles, inclusive Charles Mady e eu, que, certamente, seremos acusados de “antissemitismo” pelos sionistas, seríamos, na realidade, pela lógica velhaca de um oportunista radicalizado como Herr Herz, “amigos leais” do sionismo, certo? Errado. Sionismo e judaísmo são conceitos antagônicos, apesar da responsabilidade coletiva daqueles judeus que, ao longo do século XX, aderiram a um movimento radical minoritário surgido em uma era de ideias, mentalidade e ações que comprovadamente resultaram em tragédias para a humanidade. O sionismo é o filho dileto desta era doente.

Gilberto Freyre afirmava que a escravidão corrompia e desumanizava senhores e escravos por sua essência fundamentalmente nefasta. De forma análoga, o sionismo que desumaniza os palestinos para paralisar a consciência culpada do Ocidente se desumaniza e se corrompeu na mesma medida que desumanizou suas vítimas palestinas. É um ciclo inevitável e cármico. Em tempos de genocídio Ianomâmi (um genocídio que já dura 500 anos), qual é a surpresa com o apoio e a apatia criminosa do mundo frente ao que acontece na Palestina? Resta agora tentar achar o decreto da “solução final” dos Ianomâmis (se os sionistas permitirem o uso de uma expressão do jargão nazista) assinado pelo patife que governou esse país nos últimos 4 anos.

Como os nazistas, os sionistas e os governantes derrotados, no Brasil, deixaram poucos ou nenhum indício de que tenham expressamente ordenado os genocídios por eles perpetrados. Mas isso é realmente necessário? Não, porque nos três casos o discurso e as ações dos genocidas dispensam documentos ou ordens expressas. O massacre sistemático e eficiente, em escala industrial, dos euro-judeus na Europa, o massacre menos eficiente, mas igualmente letal, porque ocorre na longa-duração, dos indígenas brasileiros, e o massacre gradual e eficiente (afinal de contas, os sionistas e nazistas são símbolos da “eficiência” europeia) dos palestinos têm em comum a mesma ideia desumanizadora da eliminação física do “outro”, posto que este é o fundamento do colonialismo de povoamento.

Antes de concluir, é preciso ir na jugular da besta sionista. As perseguições a minorias na Europa são um fenômeno histórico recorrente. Ocorreu com os huguenotes de Villegaignon, que sonhavam com a França Antártica no Brasil, com os mesmos huguenotes na África do Sul, chamados “Boers”, que foram os precursores do Apartheid, com os puritanos do Mayflower, que buscaram refúgio na Virginia tomada dos nativos norte-americanos, entre os Romani, expulsos da Inglaterra, no século XVI, onde eram chamados de “egípcios”, para séculos depois serem vítimas dos nazistas e discriminados, até hoje, na Europa, e, finalmente, os mouros, discriminados, expulsos ou mortos em Al Andalus (também conhecida como Espanha). Portanto, em várias ocasiões na História, minorias perseguidas na Europa foram obrigadas a buscar refúgio fora do continente para escapar da intolerância e do fanatismo. Este fenômeno, porém, resultou, quase sempre, no sofrimento e, até mesmo, no extermínio de outros povos que habitavam as terras para onde se deslocaram estas minorias europeias em busca de refúgio. O sionismo, dessa maneira, seria mais um desses casos, exceto pelo fato de conseguir manipular ardilosamente o subconsciente sectário e excepcionalista ocidental e incorporar seu projeto colonial no template do imperialismo europeu.

Por fim, meu caro Charles, a vida é sua e não passo receitas, mas, assim mesmo, ofereço um conselho: não tente contemporizar com facínoras e mentirosos patológicos, porque nunca deu certo. Não tente normalizá-los cedendo às suas narrativas falaciosas por temer ser vilipendiado no matadouro de reputações sionista. Na lógica da “Cosa Nostra” sionista, como na original, não existe meio-termo. Sequer tente uma possível identidade comum com uma horda vinda de terras distantes, meio-mundo de nossas terras ancestrais, cujos sobrenomes nem conseguimos pronunciar. Lembre-se: nos desprezam de dia para tentar roubar nossa cultura à noite para compensar sua ilegitimidade bastarda. A terra, do rio ao mar, é 100% palestina e qualquer acordo, tornado impossível pelo cangaço sionista, precisa partir dessa premissa. Sobre a frase no final do seu texto, do filme de um sionista liberal hipócrita (Steven Spielberg) falando pela boca do seu personagem, igualmente sionista e hipócrita, de que “vamos dividir”, eu lhe pergunto, na condição de alguém que assiste à tragédia palestina e à perfídia sionista há mais de meio século: dividir o quê, meu caro?

Tufy Kairuz é historiador, professor, PhD em História pela Universidade York, no Canadá, e mestre em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro