O dia que não terminou

Neste 30 de março, palestinos do mundo todo relembram os 43 anos do Dia da Terra Palestina, o massacre em Nazaré que deixou um saldo de seis mortos, dezenas de feridos e centenas de presos

30/03/2019

O dia 30 de março é um dos mais importantes na memória da luta por direitos do povo palestino. Há exatos 43 anos, as forças armadas israelenses mataram seis manifestantes e deixaram dezenas de feridos, numa repressão brutal às passeatas pacíficas realizadas em cidades palestinas ocupadas por Israel após 1948, especialmente na região da Galileia. Desde então, a data – conhecida como Dia da
Terra Palestina – é lembrada anualmente no mundo todo.

Em 30 de março de 1976, a população palestina foi às ruas para protestar contra a decisão do regime de Israel de expropriar 2.000 hectares de terras em regiões agrícolas majoritariamente palestinas, em vilarejos no entorno de Nazaré. A decisão dava sequência à limpeza étnica iniciada com a criação do Estado de Israel – e mantida até hoje. Sob o pretexto de “reforçar a segurança”, o exército expulsava a população nativa para implantar colônias judaicas na região.

Para o historiador Fábio Bacila Sahd, doutor em Ciências Humanas pela USP e professor adjunto da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a questão permanece atual porque é resultado de uma política de estado que está em funcionamento ainda hoje. “A criação do Estado de Israel como uma etnocracia, um estado aparelhado pelo grupo étnico judaico, sobretudo os asquenazes, tem como um de seus propósitos avançar em interesses como o de judaizar o território ocupado, e para isso se vale do aparato jurídico, das forças armadas, da cultura, da educação”, analisa.

Além de mortos e feridos, centenas de palestinos foram presos no Dia da Terra sem cometer crime algum. A revolta popular, de caráter agrário, foi um grito abafado contra o avanço de uma política cada vez mais discriminatória, baseada em ocupações militares e perseguições ao povo palestino. Fábio relaciona esse processo de colonização israelense à grilagem no Brasil e às desapropriações de povos indígenas ou o não reconhecimento das propriedades dos quilombolas. “Gaza hoje é o paradigma, porque já temos o máximo da população reduzida ao mínimo de espaço”, conclui.

Impunidade impede avanços

Em virtude dos contínuos confiscos de terras e das construções ilegais de colônias judaicas e postos militares, bem como estradas exclusivas para judeus, hoje restam apenas em torno de 9% da Palestina Histórica. A população palestina atual é de aproximadamente 13 milhões, dos quais 5,85 milhões (45%) vivem como refugiados nos países árabes vizinhos, 717 mil (5,41%) em outros países, 1,57 milhão (12,07%) na parcela da Palestina ocupada em 1948 e 4,9 milhões (37,66%) nos territórios da
Cisjordânia e Gaza.

Esses números por si só demonstram o avanço do processo de limpeza étnica conduzido por Israel nas últimas sete décadas. “Todo Estado Nacional tem um potencial genocida”, observa Fábio. “Na história, onde houve uma população reivindicando direitos exclusivos a um território, houve segregação, extermínio, perseguição e expulsão das populações que não são vistas como membros desse corpo da nação. Na Alemanha nazista, você tem a lógica do estado ariano, na África do Sul do apartheid há o estado para os afrikaners. Quando um estado reivindica o caráter étnico judaico, as populações que não pertencem a essa comunidade vão sofrer as perseguições”, explica.

O movimento persiste sem que Israel seja condenado categoricamente. A impunidade só é possível devido ao apoio de potências ocidentais e ao veto dos Estados Unidos a todas as resoluções condenatórias, que são apoiadas pela quase totalidade dos países com assento na ONU. Recentemente, o Conselho de Direitos Humanos do órgão apresentou mais uma investigação que aponta crimes de guerra ou contra a humanidade – dessa vez contra os manifestantes da Grande Marcha do Retorno, em que pelo menos 189 manifestantes palestinos foram assassinados por franco-atiradores do exército israelense.

Fábio, bisneto de dois palestinos (de Nazaré por parte de mãe) que imigraram para o Brasil após a Primeira Guerra Mundial, acredita que é possível mudar essa situação. Ele aponta algumas direções: uma saída multicultural baseada no convívio e na tolerância; uma internacionalista, baseada na unidade dos grupos explorados em prol de interesses coletivos, ou, ainda, na aplicação de um modelo plurinacional, desde que haja a garantia do retorno de todos os refugiados palestinos aos seus locais de origem, e não apenas à Cisjordânia e Gaza. “Saída tem, a questão é a vontade política e o
enfrentamento desses modelos que flertam abertamente com o fascismo”, diz.

“O Estado de Israel, na sua atual configuração, como estado judaico, teria de ser desmantelado para dar lugar a uma configuração multinacional e verdadeiramente democrática, com políticas públicas voltadas para o convívio e a reparação dos danos causados, instituindo assim uma justiça de transição para revisar o passado e corrigir as injustiças”, conclui.

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