Censura exercida pela Globo será denunciada no 11° Congresso da Fepal
Maior monopólio da comunicação do Brasil se recusou sistematicamente a apresentar a posição da Fepal, em nome da comunidade brasileiro-palestina, enquanto dá amplo espaço aos propagandistas do genocídio
01/09/2024Manifestação em frente ao prédio da Globo em Brasília
São quase 11 meses do novo capítulo do genocídio sionista “israelense” contra os palestinos, no território de Gaza. Esse é o tempo em que a Rede Globo vem se recusando a apresentar a versão palestina dos fatos para o seu público.
Já no dia 7 de outubro de 2023 a Fepal entrou em contato com diversos editores da Rede Globo para que ela entrevistasse – ou ao menos citasse as declarações! – os representantes da comunidade palestina no Brasil.
“Além de ser uma obrigação ética e jornalística, dar espaço a entidades palestinas é fundamental para garantir que seu espectador tenha acesso amplo ao contraditório e a ambos os lados”, escreveu o perfil da Fepal no X em 8 de outubro, mencionando a Globo News.
“Presumimos que a Globo seja pautada pelos princípios éticos que guiam o bom jornalismo e que esses episódios ficaram no passado”, continuou a publicação. “Mas estamos começando a achar que talvez o interesse maior seja alimentar a narrativa sionista, a desinformação da sociedade brasileira e a higienização do apartheid de ‘israel’.”
Mesmo após sucessivas tentativas de convencer os editores da Rede Globo, eles não aceitaram cumprir com o bê-á-bá do jornalismo, que é “ouvir os dois lados” de uma história. Pelo contrário, o grupo de comunicação dobrou a aposta e aumentou o tom da campanha pró-genocídio e pró-sionismo.
O jornalista Eduardo Vasco realizou um exame minucioso do primeiro mês da cobertura do Jornal Nacional (principal telejornal da Globo) sobre o genocídio. Segundo seus cálculos, o programa concedeu três vezes mais espaço a declarações dos representantes do “governo de israel” do que aos palestinos e veiculou declarações dos aliados de “israel” em 89 ocasiões, ao tempo em que declarações de aliados oficiais da Palestina foram veiculadas apenas 11 vezes.
“Os palestinos e aliados acusam diariamente Israel de ser criminoso, assassino, genocida e terrorista, mas não recebem nenhum espaço. As declarações de Israel e seus aliados são sempre contundentes”, escreveu Vasco em um artigo em novembro. De fato, conforme seu levantamento, 27% de todo o noticiário do Jornal Nacional foram dedicados aos “ataques do ‘Hamas’”, e apenas 13% aos de “israel”. A Resistência Palestina foi chamada de terrorista ou extremista, em média, dez vezes por edição.
O professor Tarcísio Cardoso, da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, critica também a suposta apresentação dos “dois lados” da história, que gera, em um caso como o do genocídio em Gaza, quando uma potência militar devasta um território inteiro, massacrando crianças e mulheres indefesas, uma falsa simetria. Assim, “a cobertura da Globo sobre Gaza é uma representação distorcida, pois representa ‘os dois lados’ (‘Israel x Hamas’) como se fossem simétricos (com igualdade de condições e igualdade de culpa)”, diz.
Ele chama a atenção para as “consequências sociais graves” desse tipo de cobertura. Segundo Cardoso, a cobertura da Globo passa a mensagem ao público de que o genocídio é uma guerra e que, como todas as guerras, ela é um horror – e que, portanto, os dois lados, que têm o mesmo nível de culpa e responsabilidade, deveriam ter mais “boa vontade” para negociar o seu fim. “Ao ajudar a construir uma representação distorcida como essa, a Globo falha escandalosamente em cumprir com seu papel social de informar”, conclui.
Opinião semelhante tem a pesquisadora, curadora e professora Carol Almeida. “Em lugar de genocídio ou limpeza étnica, a imprensa, alinhada a Israel e EUA, usa palavras como ‘guerra’ e ‘conflito’, como se existisse uma equivalência de forças naquele território, o que nunca houve. Palavras como ‘apartheid’ também são terminantemente proibidas”, destaca.
Ela lembra ainda que sua utilização pelas mais prestigiadas instituições internacionais, como a própria ONU, já consolidou termos como “genocídio” e “apartheid”, e mesmo assim a Rede Globo e a maior parte da imprensa os ignoram.
“Do mesmo modo que existe uma linha editorial que obriga uma transmissão que, sempre que possível, cria associações entre a luta palestina e o terrorismo, algo que a indústria audiovisual hollywoodiana vem trabalhando com afinco nas últimas décadas para cristalizar na mente das pessoas”, enfatiza Carol.
Há de se ressaltar também que nenhuma instituição internacional de renome, como a ONU, e nem mesmo o governo brasileiro, consideram qualquer organização da Resistência Palestina terrorista – e a Globo e a imprensa nacional, mais uma vez, ignoram isso e adotam a propaganda sionista e estadunidense.
Congresso denunciará o silêncio da Globo
Nestes quase 11 meses, os programas da Rede Globo entrevistaram ou citaram declarações de inúmeras entidades e “ativistas” sionistas. A começar pela embaixada de “israel” no Brasil, passaram pelos estúdios e noticiários da Rede Globo a Confederação Israelita do Brasil, a Federação Israelita de São Paulo, o Congresso Judaico Latino-Americano, André Lajst (líder do lobby sionista StandWithUs Brasil), Heni Ozi Cukier, Michel Gherman e muitos outros sionistas defensores acríticos de “israel”. Alguns deles, como Michel Gherman, falsificam a realidade acusando o “governo de Netanyahu”, apresentado como de “extrema direita”, pelo genocídio, negligenciando a própria história do sionismo e de “israel”, na qual o grande papel é da “esquerda sionista”, ramo ao qual, aliás, Gherman se diz afiliado.
Toda ocupação da Palestina, desde a presença colonial britânica, até o início da limpeza étnica do povo palestino, em dezembro de 1947, antes mesmo do sionismo autodeclarar-se estado, em 14 de maio de 1948, foi comandada pela dita “esquerda sionista”. “Toda limpeza étnica, toda destruição, todo roubo de terra e riquezas palestinas, os mais de 70 massacres até 1951, as guerras posteriores, todos os priores crimes contra a Palestina foram cometidos, até 1977, quando a sua ‘direita’ chega ao poder pela primeira vez, pela dita ‘esquerda sionista’”, aponta Ualid Rabah, presidente da Fepal. Em suas palavras, a Nakba e tudo que se dá hoje na Palestina só existe porque existiram os crimes de lesa-humanidade dos sionistas de “esquerda”. Para ele, o curioso é como um “projeto colonial, supremacista e racista, baseado na limpeza étnica, no genocídio e que promove um regime de apartheid pode ser de esquerda”. Se é assim, pondera Rabah, “então temos que admitir nazismo de esquerda, fascismo de esquerda, apartheid de esquerda, genocídio de esquerda, escravidão de esquerda, bombas atômicas de esquerda”.
Isto é, os microfones e câmeras da Rede Globo estão abundantemente disponíveis aos porta-vozes dos opressores, com uma só voz “crítica”, a de um também sionista, porém de “esquerda”, para fingir alguma voz dissonante, mas limitada ao governo sionista de plantão. Mas a Fepal, que representa cerca de 200 mil palestinos e seus descendentes no Brasil, muitos porque foram diretamente afetados pela limpeza étnica, jamais pôde apresentar a visão dos oprimidos no maior conglomerado de comunicação do país.
“A mídia é parte do conjunto de braços – econômico, militar, diplomático – para legitimar a campanha genocida através da fabricação de consentimento”, afirma o coordenador de comunicação da Fepal, Marcos Feres. Ele não pensa, contudo, que esse seja um expediente novo. “Mas eu acho que se torna mais obsceno e flagrante quando os próprios palestinos estão documentando o genocídio com seus smartphones de modo constante e publicando nas redes sociais”, completa. Segundo Feres, isso coloca em xeque o expediente tradicional da imprensa.
Feres destaca o papel da diáspora palestina pelo mundo, que tem sido fundamental na distribuição das denúncias documentadas a partir de Gaza.
Assim, a censura da Globo e dos grandes meios de comunicação ao ponto de vista dos palestinos e sua campanha pró-genocídio será um dos principais temas do 11° Congresso da Fepal, a ser realizado entre os dias 20 e 22 de setembro, em São Paulo.
“A comunicação será, sim, um dos assuntos mais debatidos, especialmente o papel ativo dos grandes meios de comunicação no genocídio palestino, desde o dia 7 de outubro do ano passado”, confirma Rabah.
“O destaque será a Globo, que negou à Fepal ser ouvida, como voz palestina, enquanto que todos os sionistas foram ouvidos sistematicamente, praticamente como porta-vozes de guerra de ‘israel’, em clara defesa do extermínio”, explica.
O 11° Congresso da Fepal terá sua abertura solene no Clube Homs, na Avenida Paulista, em 20 de setembro. Os trabalhos do Congresso terão lugar no Hotel Panamby, na Barra Funda, nos dias 21 e 22. São esperados 250 delegados e observadores, além de convidados especiais. Será o maior Congresso da história de mais de quatro décadas da Fepal.
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