Carta da FEPAL ao Secretário-Geral da ONU pelo Dia Internacional de Solidariedade ao povo Palestino

25/11/2019

Exmo. Sr. ANTÓNIO GUTERRES
Secretário-Geral das Nações Unidas

Senhor Secretário-Geral

A ONU foi fundada em 24 de outubro de 1945, quando mal havia acabado a chamada 2a Guerra Mundial, que devastou a Europa e outras partes do mundo, matou milhões de pessoas inocentes de todos os grupos étnicos, de todas as religiões, de todas as visões de mundo, feriu e mutilou outras milhões, fez órfãos e viúvas também aos milhões. Além dos cadáveres, um mundo sob escombros e vivendo doenças, fome e miséria, deslocados e refugiados, nações dilaceradas, incredulidade do quanto o ódio e a ganância são capazes de destruir.

Esta guerra em particular, mas também a sua anterior, igualmente denominada Guerra Mundial, porém como a 1a, por tamanhas as suas consequências destrutivas, foram verdadeiras razões de organização e existência mesmas da ONU, conforme estampado em sua Carta, a Carta das Nações Unidas, que já na abertura proclama:

“NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.”

Senhor Secretário-Geral, se nos ativéssemos apenas a este trecho, a Palestina não teria sido a primeira vítima do pós-guerra. E apenas se o “respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional” tivessem valido, daquele momento até hoje, os crimes contra o povo palestinos não teriam lugar e a Palestina seria um estado soberano, seguro, democrático e próspero.

A ideia mesma de partilha, que, aliás, era justamente de um ente historicamente denominado Palestina – por isso a Resolução 181, da Assembleia Geral das Nações Unidas, recomendou (e apenas recomendou!) a partilha de algo já existente como Palestina –, foi tão injusta que não apenas deu a menor parte da sua terra a este povo, que a detinha historicamente em perto de 95%, como desconheceu que este era majoritário na composição da população, mesmo considerando a migração massiva de estrangeiros chegados fazia poucos anos.

Mas tudo isso é de vasto conhecimento dos que manejam, pelos estados e organizações internacionais, os assuntos que governam nosso mundo, que dirá de um secretário-geral da ONU e, quanto mais de vossa senhoria, reconhecidamente um amante da paz e sinceramente desejoso que haja uma solução definitiva que ponha fim ao sofrimento palestino.

O que esta missiva pretende ressaltar, entretanto, é algo mais grave e importante, caso isto seja possível diante da tragédia palestino em si.

A ONU nasce dos escombros e cadáveres da 2a Guerra Mundial e com o propósito de não mais permitir que isto se repetisse, em maior ou menor escala. Seus debates iniciais visavam às resoluções dos problemas dos refugiados, das melhores definições do genocídio e da propaganda de guerra, ela mesma também um crime de lesa humanidade.

Malgrado isso, é nesta mesma ONU que, ainda que não pretendido pelos seus membros, ou pela maior parte deles, que se dão os primeiros passos, assim como os definitivos, a conduzir a uma tragédia colossal, a uma limpeza étnica sem precedentes, ao impedimento à autodeterminação de um povo, o palestino, que, sabidamente, vive, desde seus primeiros antepassados, no mesmo território a pelo menos 11 mil anos.

A chamada Resolução da Partilha da Palestina, a 181, não só jamais foi implementada, como acabou abrindo o caminho para o grande crime de lesa humanidade que acabou com a Palestina que se pretendia partilhar. Entre aquele fatídico 29 de novembro de 1947 e 14 de maio de 1948 muitos crimes ocorreram, todos contra o povo palestino. O mais emblemático deles talvez seja o massacre de Deir Yassin, pequena povoação palestina às portas de Jerusalém, cuja população camponesa e desarmada foi chacinada pelos pretendentes a tonar a Palestina outa coisa, o Israel que foi parido dos cadáveres e escombros palestinos. Isso foi a 9 de abril de 1948. Era um aviso do que seria feito com vistas à limpeza étnica e à tomada integral da Palestina, ou tanto quanto fosse possível pelos invasores recém-chegados tomarem. Era a senha de como tudo se daria. Malgrado este aviso prévio, a Comunidade Internacional se manteve inerte e esta ONU também não foi capaz de cumprir sua carta e impedir o genocídio palestino já avisado.

Se era assim, aos sionistas estava dada a carta branca para que seguissem adiante e implementassem o plano previamente concebido, chamado Dalet. E foi a 15 de maio de 1948 que os implementadores dos crimes havidos desde 29 de novembro de 1947 autoproclamaram-se um estado, denominaram-no Israel e deram seguimento à limpeza étnica mais atroz de que se tem conhecimento.

Após estes eventos trágicos e após o 15 de maio de 1948 no qual Israel se autoproclamou estado sobre terras Palestinas, o inimaginável se deu: 774 cidades e povoados palestinos ocupados, dos quais 531 totalmente destruídos; 70 massacres cometidos, com mais de 15 mil mortos, incontáveis feridos e mutilados e dois terços da população originária, a palestina, expulsa pelos estrangeiros recém-chegados. Considerados os 76% da Palestina tomados a força, são levados a exôdo desta porção, de acordo com a ONU, 725 mil dos 900 mil palestinos que viviam no que passa a ser a Israel autoproclamada. Ou seja: 81% de toda a população palestina é morta ou expulsa para nascer pela violência Israel.

E é desta limpeza étnica que resultam, de acordo com a ONU que hoje o tem como seu secretário-geral, os perto de 6 milhões de refugiados palestinos, monumentais 9% de todos os refugiados no mundo atual, contados à casa dos 70 milhões. Este dado apenas indica o tamanho do HOLOCAUSTO palestino: somos apenas 0,2% da população mundial, mas respondemos por 9% dos refugiados, isto é, 45 vezes mais do que somos enquanto população no mundo. Cartesianamente, senhor secretário-geral, respondem os palestinos por 45 refugiados para cada um de qualquer outro grupo étnico no mundo. É um holocausto olímpico!

Evidente que a ONU viu a limpeza étnica, a reconheceu a adotou para sua problemática uma resolução, a 194, de 11 de dezembro de 1948. Determinou a resolução 194, conhecida como a do Retorno dos Refugiados palestinos:

“(A Assembleia Geral) Resolve que os refugiados que desejem voltar a suas casas e viver em paz com os seus vizinhos devem ter permissão para fazê-lo na data mais próxima possível, e que deve ser paga compensação pelos bens dos que escolherem não retornar e pela perda ou dano a bens que, em virtude dos princípios de propriedade internacional ou em equidade, deve ser reparada pelos Governos ou autoridades responsáveis”.

Apenas seis dias depois, a ONU novamente debate a Questão Palestina, desta vez para deliberar acerca do pedido de Israel ver-se admitido como estado membro. O Conselho de Segurança rejeitou Israel na ONU a 14 de dezembro de 1948. Uma das razões: a questão dos refugiados, vale dizer, senhor secretário-geral, a limpeza étnica.

Somente a 11 de maio de 1949 é que a ONU admite Israel como seu 59o estado membro, mas com uma ressalva, na forma de cláusula condicionante: acatar e implementar a Resolução 194, isto é, permitir o retorno dos refugiados e tudo o mais que consta de seu texto. É, até os dias atuais, o único caso de estado admitido na ONU sob uma cláusula condicionante, com um detalhe: até hoje não cumprida por Israel.

É por tudo ter se passado assim que afirmamos:

1. A Resolução 181 jamais poderá ser tida e citada como tendo criado Israel, já que esta apenas recomendou uma partilha e nem de longe suas recomendações apresentavam os limites atuais do estado que se pretende Israel.

2. Se os limites não são os atuais, o que excede os limites estritos da partilha recomendada são territórios conquistados pela força, sob limpeza étnica, razão pela qual tudo que destoa do texto da Resolução 181 é ilegal.

3. Acaso a Resolução houvesse criado Israel, por qual razão este não teria sido admitido quando de sua pretensa “criação”? Ou, ainda, por que Israel vê sua admissão à ONU rejeitada quanto assim o solicitou?

4. Sabendo que sua admissão só se dá praticamente um ano após sua autoproclamação e 18 meses após a aprovação da Resolução 181, bem como que esta tem como condição o acatamento à Resolução 194, como considerar que Israel é um estado capaz de ser membro da ONU?

5. E, se a Resolução 181 “criou” Israel, não teria que ter sido “criado” também o outro Estado ali contido, o da Palestina, justo aquele que dá nome à mesma (Partilha da Palestina)?

Enfim, senhor secretário-geral, estes não são questionamentos meramente retóricos, mas baseados na condição mesma de manutenção ou não das regras do direito internacional e de tudo que foi construído após as 1a e 2a guerras mundial, a ONU especialmente.

É lamentável, senhor secretário-geral, que Israel tenha se valido do que decido na ONU para dar início a um banho de sangue e uma limpeza étnica atroz na Palestina. Mais grave ainda que esta mesma ONU não tenha conseguido, até hoje, fazer valer sua carta, suas resoluções, seus princípios e a Palestina e seu povo sigam sem pátria, sem direitos, exilados, sob ocupação e apartheid, cercados em Gaza e quase toda a chamada Cisjordânia, bem como sigam sendo cidadãos de segunda classe todos os palestinos que resistiram à limpeza étnica de 1948 e que atualmente vivem sob o regime estatal israelense.

Por tudo isso, clamamos, senhor secretário-geral, à ONU, à Comunidade Internacional, aos povos e nações, aos estados soberanos, às sociedades civis e suas organizações: façam cessar o sofrimento do povo palestino, feito refugiado e sem pátria por uma iniciativa que partiu das próprias Nações Unidas. Rogamos apenas pelo que todos os povos têm por merecimento: um estado livre, paz, segurança, fronteiras definitivas, direito aos nossos recursos, retornos de nossos refugiados, respeito aos nossos direitos nacionais, civis e humanitários.

Que este dia 29 de novembro, instituído pela ONU há 42 anos (Resolução 32/40 B) e já passados 71 anos daquele fatídico 29 de novembro de 1947, quando tudo que diz respeito à catástrofe palestina teve início, não seja apenas mais uma data em um calendário construído pela burocracia de organismos internacionais. Pedimos, senhor secretário-geral, que a ONU admita a Palestina como estadomembro, dando um passo adiante na sua admissão como estado observador, adotado em 2012, e que se acatem as dezenas de resoluções para a Questão Palestina, todas impunemente rejeitadas por Israel. Já são 140 os países que reconhecem o Estado da Palestina. Para que os quase 200 estados membros da ONU façam o mesmo, basta que a admissão da Palestina como um de seus membros também. É isto o que a Comunidade Internacional aguarda.

É preciso dar um fim ao sofrimento do povo palestino. A Palestina, a Terra Santa, na qual todas as mensagens divinas nasceram ou se desenvolveram, não pode seguir sendo um lugar de escombros e cadáveres, laboratório de experimentos de armas e munições, da realização de um experimento social genocida. A Palestina sob paz é a chave para um mundo melhor para todos.

Palestina livre a partir do Brasil, 29 de novembro de 2019.

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