Voto do Brasil contra a Palestina na ONU denuncia repetição de apoio à limpeza étnica promovida por Israel

19/11/2019

É alarmante a posição brasileira de votar contra a Palestina no 4º Comitê da ONU, buscando vetar uma resolução que pede investigação internacional para apurar os abusos dos direitos humanos por parte de Israel. São também preocupantes, no mínimo, as abstenções brasileiras em outras três resoluções: de condenação pelos confiscos de terras palestinas em Jerusalém para assentar ilegalmente colonos judeus, aprovada por 156 votos; condenando a ocupação das Colinas do Golã (território sírio), aprovada com 155 países a favor; e a de condenação da apropriação ilegal, por Israel, de propriedades e receitas dos palestinos – aprovada avassaladoramente por 162 votos. Em apenas metade das oito resoluções apresentadas o Brasil manteve sua posição histórica e se alinhou à Comunidade Internacional votando pelos direitos dos palestinos: de instar os governos a manterem a ajuda aos refugiados palestinos, vetada apenas por EUA e Israel; dar assistências aos palestinos deslocados pela agressão israelense de 1967 e ocupação daí decorrente; e de apoio aos trabalhos da ONU para ajuda humanitária aos palestinos espalhados pelo Oriente Médio.

Nas resoluções em que votou contra a Palestina o Brasil se aliou aos EUA e Israel, mais alguns poucos países integralmente dominados pelos estadunidenses, como Nauru e Micronésia, ou, embora não em todas, a Canadá e Austrália. Na América do Sul, apenas a Colômbia acompanhou os EUA e Israel no veto a parte das resoluções, e na América Central e Caribe, somente Honduras. Ou seja: o Brasil se isola no continente e se alinha a uma política que é apenas dos EUA, em detrimento da esmagadora maioria da Comunidade Internacional, sem que sequer tenha alguma vantagem econômica ou geopolítica em troca, mas, ao contrário, corra o risco de enfrentar o mesmo isolamento entre as nações já visível de EUA e Israel.

Somente em outro momento histórico o Brasil agiu contra o povo palestino e contra seus próprios interesses nacionais. Foi em 29 de novembro de 1947, na mesma ONU, quando esta aprovava a Resolução 181, que recomendou a partilha da Palestina. Ainda que contra a vontade de Osvaldo Aranha, diplomata que presidia aquela Assembleia Geral, e ao arrepio do povo brasileiro, que jamais tomara parte neste debate, o Brasil dava seu aval ao que viria a ser a primeira limpeza étnica após a 2ª Guerra Mundial. Por imposição do ministro de Relações Exteriores brasileiro de então, Raul Fernandes, que adotava a mesma visão extremista do presidente Eurico Gaspar Dutra, de alinhamento automático e acrítico às políticas dos EUA, o Brasil votou pela partilha. Meses depois, mais de 85% dos palestinos foram expulsos do que Israel tomou para autoproclamar-se estado: o equivalente a 76% do território da Palestina histórica. É desta diáspora que vêm os cerca de 6 milhões de refugiados palestinos da atualidade. Isto é 9% da totalidade de refugiados no mundo hoje, enquanto os palestinos representam apenas 0,2% da população mundial.

De lá para cá o Brasil adotou e buscou manter uma posição de reconhecimento dos direitos do povo palestino, especialmente no que toca à sua autodeterminação e ao reconhecimento de um Estado. Esta posição evoluiu no curso dos anos, até que em 1975 o Brasil permitiu que a OLP – Organização para a Libertação da Palestina estivesse representada junto da delegação da Liga dos Estados Árabes, à época sediada no Rio de Janeiro. Em 1979 o governo brasileiro sela relações com a OLP e é instalado, em Brasília, seu escritório de representação diplomática. A evolução destas relações não para, elevando-se sucessivamente o status da representação diplomática palestina, até que em 2010 o Brasil reconhece o Estado da Palestina, o que se dá pela ONU em 2012, reconhecimento à Palestina que atualmente conta com 140 países.

O que vemos agora é a renovação de posição extremista nas relações internacionais e na condução da política externa brasileira, no mínimo semelhante àquela de 1947, que levou o Brasil a chancelar o que viria a ser a Nakba (catástrofe, em árabe). Estamos revivendo o apoio incondicional do Itamaraty às políticas excepcionalistas dos EUA e aos crimes de Israel. Não há como dissociar essas decisões diplomáticas brasileiras de um apoio manifesto à ocupação israelense e à integralização da limpeza étnica perseguida pelo regime sionista como política de Estado.

Por isso, condenamos com máxima veemência a posição do Brasil em relação à Palestina na ONU, colocando-se injustificadamente como seu inimigo, desprezando o direito internacional – em especial o humanitário –, todas as resoluções da ONU para a Questão Palestina e mesmo as boas relações entre os povos brasileiro e palestino ao longo da história. Ao mesmo tempo, convidamos o Brasil e seu corpo diplomático a refletirem mais detidamente acerca dos temas para que revertam estes votos na Assembleia Geral das Nações Unidas que inicia em 1º de dezembro, quando as mesmas resoluções serão reapreciadas.

Conclamamos, ainda, a diplomacia brasileira para que reveja sua surpreendente posição de apoio aos crimes de guerra e de lesa humanidade praticados por Israel na Palestina e retome sua vocação de nação amiga de todos os povos. É esta característica que a colocou na condição nobre e privilegiada de mediadora de conflitos. Também rogamos a todos os amigos da Palestina no Brasil e no mundo para que promovam máximos esforços para demover a nação brasileira desta posição de lamentável chancela ao genocídio contra o povo palestino.

Palestina Livre a partir do Brasil, 19 de novembro de 2019.

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