Joe Biden e a busca pelo antigo normal

25/11/2020
Por: Robson Coelho Cardoch Valdez

No apagar das luzes de seu governo, o Presidente Trump, em mais um ato provocativo de apoio explícito a Israel em detrimento dos interesses palestinos, envia o Secretário Mike Pompeo a cerimônias em assentamentos israelenses ilegais na Cisjordânia e no território sírio ocupado nas Colinas de Golã. Esse ato reforça o apoio da atual administração americana às flagrantes violações do Direito Internacional promovidas por Israel frente à Questão Palestina. O simbolismo dessa visita recai sobre o fato de se tratar da primeira visita oficial de uma autoridade estadunidense a um dos vários assentamentos israelenses ilegais na Cisjordânia. A visita do secretário estadunidense acontece no mesmo dia em que o Ministro de Relações Exteriores do Bahrein, Abdellatif al-Zayani, realiza a primeira visita oficial de uma autoridade bahrenita a Israel. A normalização das relações Israel-Bahrein e Israel-Emirados Árabes Unidos (EAU), que contou com o forte apoio do governo Trump, representa uma fissura no tradicional apoio dos países árabes à causa palestina.

Assim como Bahrein e EAU, o Brasil abandonou seu tradicional apoio a uma solução negociada para a Questão Palestina na esperança de estabelecer uma relação especial com os Estados Unidos. O atual governo brasileiro endossou, de forma subserviente, a política estadunidense para o Oriente Médio prometendo mudar a embaixada brasileira para Jerusalém. Contudo, a derrota de Trump nas eleições presidenciais do último dia 3 de novembro representa o fim desse relacionamento, que desde o início do Governo Bolsonaro tem se mostrado contraproducente para o Brasil. Ainda que Biden consiga apenas reduzir alguns dos danos causados pela diplomacia trumpista, o governo brasileiro se encontra, agora, em mais uma rota de colisão com o futuro chefe da Casa Branca que tomará posse em janeiro do próximo ano.

Biden já declarou que não irá desfazer a decisão de mudar a embaixada estadunidense para Jerusalém. Essa medida, que foi votada no congresso estadunidense em 1995, contou com voto do então senador pelo estado do Delaware. Contudo, Biden lembra que a protelação dessa mudança era uma forma de pressionar Israel a interromper seu apoio à expansão dos assentamentos ilegais na Cisjordânia. Dada a sensibilidade dessa temática junto ao eleitorado estadunidense, o custo político de anular a decisão de Trump é muito alto.

“[…] o novo ocupante da Casa Branca procurará minimizar os estragos reabrindo o consulado americano em Jerusalém Oriental e o escritório da OLP em Washington para restabelecer os canais de comunicação com os palestinos, muito embora seja conhecida a condição dos palestinos de retornarem à mesa de negociações somente com o fim dos assentamentos israelenses.”

Nesse sentido, o novo ocupante da Casa Branca procurará minimizar os estragos reabrindo o consulado americano em Jerusalém Oriental e o escritório da OLP em Washington para restabelecer os canais de comunicação com os palestinos, muito embora seja conhecida a condição dos palestinos de retornarem à mesa de negociações somente com o fim dos assentamentos israelenses. No entanto, apesar de apoiar a construção do estado palestino com base nas linhas territoriais anteriores a 1967 e que os assentamentos ilegais são, hoje, um obstáculo à paz, Biden defende a ideia de que somente os assentamentos mais antigos sejam preservados.

Por fim, muito provavelmente, o plano unilateral construído pela dupla Trump-Netanyahu e imposto aos palestinos deverá ser engavetado. Vale lembrar que esse acordo foi efusivamente celebrado por Bolsonaro em seu último discurso na Assembleia Geral da ONU, em setembro.

Assim chegamos ao fim do período de distopia que marcou os quatro anos do governo Donald Trump. Trump, o líder antipolítica e antissistema da maior potência econômica e militar do planeta optou pelo unilateralismo e cativou oportunistas na extrema direita mundial. No Oriente Médio, área estratégica para a política externa estadunidense, Netanyahu aproveitou-se de Trump para avançar as agendas de Israel. Já aqui na América Latina, quintal estadunidense de baixa relevância para a Casa Branca, o isolado mandatário brasileiro recusa-se a reconhecer a derrota de seu ídolo internacional e segue armazenando pólvora para lidar com o futuro presidente dos Estados Unidos.

Enfim, é importante ressaltar que a chegada de Biden, de forma alguma, representa tempos fáceis para os apoiadores da causa palestina. Não se pode esquecer que o imperialismo e o apoio a Israel estão na essência da política externa estadunidense de democratas e republicanos. Trata-se apenas de um sopro de esperança de retornarmos a algo um pouco mais parecido ao antigo normal da era pré-Trump. Já no Brasil, seguimos ansiosos para que 2022 chegue para também desfrutarmos um novo tempo que nos remeta, também, ao antigo normal. Um antigo normal sem Trump e sua variação tupiniquim.

Robson Coelho Cardoch Valdez é pós-doutorando em Relações Internacionais IREL/UnB, doutor em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS) e pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos/IREL-UnB. Autor dos livros Política Externa e a Inserção Internacional do BNDES no Governo Lula (Appris, 2019) e Subindo a Escada – a internacionalização de empresas nacionais no Governo Lula (Appris, 2019). Contato: robsonvaldez@hotmail.com.