Mike Pompeo e a exaltação da banalidade

04/12/2020
Por: Rafael Araya Masry

Talvez para disfarçar a manifesta síndrome do “pato manco” que sofre o governo de Donald Trump neste momento, imagem que representa graficamente a futilidade e a inutilidade de supostos atos de governo realizados quase in extremis, a presença do Secretário de Estado dos EUA em Israel, nas Colinas de Golã da Síria e nas colônias israelenses nos territórios palestinos ocupados ilegalmente, soa como um canto do cisne e começa a colocar uma lápide nas políticas de irracionalidade permanente dos EUA na Palestina, que têm sido constantes durante o governo que está terminando na superpotência.

Provocador e rude como sempre, Pompeo caminhou pela área proclamando a soberania israelense sobre cada centímetro quadrado que aquele país, Israel, se apropriou – sempre de fato, mas nunca de acordo com a lei – tentando dar um verniz de legitimidade ao presente americano do território palestino e repetindo o exemplo britânico de dar terras que não pertencem a terceiros interessados, como aconteceu com a Declaração Balfour. Ou seja, mais uma caminhada imperial e colonial para “certificar” a pertença de israelense a territórios que não são israelenses. Uma nova “certificação in situ” do que o sionismo e Trump desejam, em contraste com o que a Palestina afirma e a comunidade internacional proclama. O Golã Sírio permanecerá como Síria e a Palestina permanecerá como Palestina, mesmo que Pompeo, Trump, o embaixador dos EUA em Israel e Netanyahu possam não gostar.

Em suma, um último esforço, quase como o último suspiro de um moribundo que quer ver seus sonhos realizados, mas que é brutalmente negado pela teimosa realidade.

E não é que eu ache que quem vai assumir a presidência dos Estados Unidos, Joseph Biden, seja o anjo da guarda das legítimas e inalienáveis aspirações palestinas, não. Ninguém pode escapar de que foi o candidato triunfante nas eleições dos Estados Unidos que disse que “se Israel não existisse, teríamos que inventá-lo”. Vamos apenas lembrar como os candidatos presidenciais vão ao AIPAC (Comitê Americano de Relações Públicas de Israel) para fazer um teste de probidade incondicional com Israel durante a campanha e pedir a bênção do poderoso lobby sionista para fazer o “teste de brancura” e de assim, passar pela campanha política sem pecado. Eu não gosto disso, mas é assim mesmo.

“O Golã Sírio permanecerá como Síria e a Palestina permanecerá como Palestina, mesmo que Pompeo, Trump, o embaixador dos EUA em Israel e Netanyahu possam não gostar”.

No entanto, devemos resgatar também que o presidente eleito reivindicou uma solução mais justa para o conflito, promovendo a solução de dois estados e aderindo muito mais ao que o direito internacional e as resoluções da ONU têm sancionado para resolver o conflito de uma forma justa. Em outras palavras, se com Trump e sua promoção de roubo israelense sob o eufemismo de um erroneamente chamado “Acordo do Século” o destino do povo palestino parecia traçado, o novo presidente pelo menos aparece com uma cara mais gentil e abre, eu não digo, a grande porta, mas, pelo menos, uma janela para promover outros caminhos e outras maneiras para enfrentar um enorme desafio, como é sem dúvida a questão da Palestina.

Sua decisão de religar os Estados Unidos ao Acordo de Paris sobre mudanças climáticas e sua vontade de voltar a aderir ao Acordo 5 + 1 que regula a atividade nuclear da República Islâmica do Irã são sinais que nos deixam entusiasmados com o restabelecimento dos mecanismos multilaterais para mediar e pactuar um caminho sério com perspectivas de sucesso para a resolução do já longo conflito. Ou seja, a eventual pró-atividade com a UE, em conjunto com o Quarteto para forjar um caminho que impeça a anexação de novos territórios palestinos às mãos de Israel, resolva o fim do processo de colonização e desmonte os assentamentos, restaure as terras usurpadas e promova seriamente a criação de um Estado Palestino independente e soberano, com base nas fronteiras existentes a partir de 4 de junho de 1967, com Jerusalém Leste como sua capital e que resolve o direito de retorno de todos os refugiados espalhados dentro e fora dos territórios palestinos. Em outras palavras, não pode ser um retorno sem conteúdo ao status quo que existia antes do governo do presidente laranja americano, mas sim, deve representar propostas para superar o já longo e doloroso impasse, que só trouxe mais dor e mais opressão para o povo palestino.

É uma expectativa máxima, eu sei. E não é que ele esteja posicionando, o presidente eleito, Biden, como a panaceia ou a solução para todos os males. Falo simplesmente do resgate de uma das partes que, junto com outros atores internacionais, são chamados a mediar e promover uma solução justa para a Palestina e que seja forte o suficiente para durar no tempo e garantir uma vida pacífica para todo o Oriente Médio.

Inshallah.

Publicado originalmente em espanhol pelo Diário Contexto

Rafael Araya Masry é presidente da COPLAC, Confederação Palestina Latino-americana e do Caribe e membro do Conselho Nacional Palestino